“Quero tanto, mas tanto, esquecer, que choro. Desejava que por um di apenas, por uma hora, ou até por um único momento, pudesse libertar-me das recordações; desejava conseguir sentir que o que se passou comigo nunca aconteceu; desejava poder apagar tudo e ter algumas horas de paz, tão preciosa. O refrão Jamais esqueçamos soa-me, por vezes, como a minha maldição.”
“No meu entender, assemelhava-se a qualquer outro soldado: robusto, bem aprestado, com o cabelo perfeitamente penteado sobre o chapéu e com botas pretas até ao joelho. O nariz direito complementava-lhe o rosto, o queixo exibia-lhe uma pequena cova ao centro. Não havia nada que o desfeasse, nenhuma cicatriz, nenhuma marca na testa que indicasse que fora vitima de maus tratos e, em consequência, tratava os outros da mesma maneira. Não era nem gordo nem magro, nem bem parecido nem feio, nem manco nem corcovado, nem grotesco. A coisa mais horrivel com que me deparei naquele dia foi com a naturalidade daquele soldado. Uma pergunta assombrou-me ao longo do dia: que forças invisíveis existem no mundo que corrompam um homem tão completamente?”
“Os Muselmänner – nome por que eram designados os cadáveres ambulantes – aumentavam a sensação de terror. Indiferentes a qualquer sofrimento para lá do tormento interior, eram almas penadas que deambulavam pelo meio de nós e as quais o medo e a inanição tinham matado sem lhes parar o coração. Viamo-las, mas elas não nos viam. Não precisavam de comida e não se importavam se fossem espancadas ou estropiadas, ou mesmo se a cabeça de alguém ao lado delas explodisse em resultado de um tiro certeiro. Havia quem lhes chamasse os afogados.”
Steve Ross nasceu na Polónia em 1931 com o nome de Szmulek Rozental, numa família judia e com apenas 8 anos viu a sua vida ser virada de pernas para o ar com a chegada dos nazistas. Separado da família Steve passou por vários campos de concentração, suportou a fome extrema, foi violado e por várias vezes esteve à beira da morte. Esta é a sua história.
Uma coisa que tenho reparado é que quando um sobrevivente dos campos de concentração vem a público contar a sua história, normalmente tem um objectivo bem definido em mente. O perdão como Eva Mozes ou a análise de tudo o que passou, como Viktor Frankl. No caso de Steve Ross esse objectivo é claramente lembrar todo o horror e crueldade que passou, para que tal não se volte a repetir na história da humanidade.
Por isso, Steve não se inibe ao descrever tais horrores. Este é sem dúvida um dos livros mais crus e directos que já li sobre este tema e, para mim, isso tornou-o num dos melhores. É duro sim, e muito difícil de ler. Deparei-me comigo a ter de lembrar-me em várias partes que era uma história real e não apenas uma ficção inventada por alguém bastante sádico.
E é exactamente isso que o torna num livro magnífico. Steve trata os seus leitores como adultos e conta-lhes exactamente o que aconteceu. Não usa meias palavras nem escreve nas entrelinhas. Aconteceu, ele ainda sofre com isso todos os dias e não pode jamais voltar a acontecer. A nós, que vivemos uma vida tão privilegiada em comparação com a que ele teve, custa a crer que tenha acontecido. E ele era só uma criança quando passou por tudo aquilo!
Steve não fala de perdão. Nem de vingança. Steve fala de superação, de como as lições que ele aprendeu também se aplicam à vida que temos actualmente e fala da incrível importância de não permitirmos que isto volte a acontecer.
Ainda de louvar é o trabalho que o autor tem feito na sua vida adulta, e a forma como tem influenciado tantas pessoas. Sem dúvida alguma que é inspirador.
Uma obra que se transformou numa das minhas preferidas sobre o tema. Dura. Cruel. Tal como eram os campos de concentração. Que nos faz arrepiar ao ver o que o ser humano é capaz.
Muito, muito recomendado!
5*