Mulheres que escrevem vivem perigosamente
Stefan Bollmann
Stefan Bollmann nasceu a 21 de março de 1958 na Alemanha. Estudou Germânicas, Teatro, História e Filosofia e é autor e editor de livros em Munique. Mulheres que escrevem vivem perigosamente não é um livro fácil de comprar, mas como me ficou debaixo de olho assim que soube da sua existência não havia por onde fugir. Esperei ainda algum tempo que ele chegasse. Mas valeu a pena. Com um prefácio fantástico de Elke Heidenreich, numa edição magnífica e muito cuidada da Quetzal nesta bra o autor Stefan Bollmann fala-nos sobre algumas das maiores e melhores autores que conhecemos e sobre as dificuldades que passarem por serem mulheres que ativamente reivindicavam o seu lugar no mundo artistico. Um livro que fala sobre tudo, desde as suas obras, a sua vida familiar e, muitas vezes, as suas dores e os seus suícidios. Sempre acompanhado com fotografias belíssimas, que tornam esta edição ainda mais especial. Tenho de admitir que este livro me marcou muito, tendo-se tornado sem dúvida uma das melhores leituras deste ano. É verdadeiramente impressionante conhecer aquilo que estas mulheres enfrentaram, só pelo facto de serem mulheres. E como, mesmo assim, conseguiram alcançar tudo o que alcançaram. É um livro incrivel também do ponto de vista dos estudos literários. Muito útil, instrutivo e lindissimo. Fiquei verdadeiramente apaixonada. Com dor de alma pela quantidade de injustiça, mas apaixonada pela obra. Livro preferido. 5*
Lá, onde o vento chora
Delia Owens
Em Lá, onde o vento chora conhecemos a história de Kya, que aos seis anos vê a mãe partir ao longo da estrada com uma mala na mão, para nunca mais voltar. À mãe seguem-se os três irmãos mais velhos e por fim Jodie, o seu irmão preferido. Kya vive então durante algum tempo soziha com o pai, um ex-militar com um problema com o álcool, que tão depressa é um pai atencioso como passa dias seguidos sem sequer ir a casa. Então, quando Kya tem dez anos, fica definitivamente sozinha, quando também ele desaparece. Na aldeia todos a conhecem como A Miúda do Pantanal, uma selvagem. Até que um dia uma estranha morte acontece e ela se torna a principal suspeita… As expectativas estavam muito altas para este livro. Tenho lido imensos feedbacks positivos, tantos que já estava a desconfiar que não podia ser assim tão bom. Mas a verdade é que é. Kya é uma personagem por quem facilmente qualquer leitor se apaixona. A viver numa situação extrema, abandonada pela mãe, pelos irmãos, pelo pai e mais tarde pelo rapaz por quem se apaixona, Kyya é, no fim de contas, condenada a viver assim pelas decisões alheias. Ou será que não? A determinada altura ela está tão habituada à sua própria solidão que já não consegue pensar em viver no meio das pessoas. Mas ao mesmo tempo, tudo o que ela quer é não estar em tão completa solidão… Um livro comovente sobre a natureza humana e sobre as condições extremas em que uma pessoa consegue sobreviver, se fôr forçada a tal. Um livro profundo sobre solidão e amor e sobre o que é realmente importante, sobre ambiente, ecologia, preconceito e discriminação. Uma obra que é simultâneamente um drama, uma história de amor e quase um romance policial! Quase ficamos com vontade de ir até àquele pantanal e ficar lá a viver… com Kya! É uma obra extremamente bem escrita, que agarra o leitor do início ao fim e que nos surpreende quando menos esperamos. Um final incrível, e talvez um tanto ou quanto difícil de ultrapassar. Muito recomendado! 5*
A Biblioteca da Meia-Noite
Matt Haig

Matt Haig nasceu a 3 de julho de 1975 no Reino Unido. É jornalista e romancista e a sua obra A biblioteca da meia-noite já vendeu mais de 2 milhões de exemplares. Nesta história conhecemos Nora Seed, uma mulher que dá por si sem vontade de continuar a viver. Sem família nem amigos chegados, sem emprego nem perspetivas de futuro, Nora decide de uma vez por todas pôr fim à vida e tenta o suícidio através de comprimidos. Mas no limiar entre a vida e a morte, Nora dá por si numa biblioteca infinita onde reencontra a velha bibliotecária da sua escola, a Srª Elm. Cada um dos livros desta biblioteca transporta Nora para uma vida alternativa que poderia ter sido dela se em algum momento ela tivesse tomado uma decisão diferente, desde as mais simples às mais complexas. E ao ver tudo o que poderia ter alcançado, Nora dá consigo a reaver a vontade de viver. Há livros com potencial para mudarem vidas. Este é sem dúvida um deles. Imensamente bem escrito, com um texto lindíssimo e uma história que apesar de não ser única é suficientemente criativa e peculiar. Nora é uma personagem que no início parece um pouco chata mas que nos apaixona à medida que vamos conhecendo com ela as suas diferentes vidas. Ela não é nada de especial, mas podia ter sido tudo. Pode ainda ser tudo. Uma história desconcertante sobre o poder das nossas decisões e como até a nossa mais pequena escolha pode ter um efeito devastador na nossa vida e na vida dos outros. Um livro que nos mostra que todos somos importantes, que todos podemos ser tudo o que quisermos e que temos em nós próprios o poder de tornar os nossos dias (e as nossas vidas) bons ou maus. É impossível começar a ler este livro e não terminar. E é impossível o leitor ler este livro e não se identificar (e se apaixonar!) por Nora! E o final é tudo o que queria e… ainda mais! Um livro magnífico, excepcional e assombroso! Quando terminei de ler só queria recomeçar! Entrou para a lista de livros preferidos! Muito, muito, muito recomendado!
Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica
Natália Correia

Natália de Oliveira Correia nasceu a 13 de setembro de 1923 em Fajã de Baixo e faleceu a 16 de março de 1993 em Lisboa. Foi uma escritora, poeta e deputada à Assembleia da República, interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Foi no final de 1965, em pleno Estado Novo, que o Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica chegou às livrarias. Era o segundo título publicado pela editora Afrodite, que já tinha visto o primeiro (o Kama Sutra!) ser apreendido e proibido pela censura do estado Novo. Em Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica Natália Correia traz-nos uma antologia de poemas portuguesas que, à época, eram considerados um atentado à moral e bons costumes. E, claro, foi apreendido e proibido pela censura e valeu aos intervenientes na sua publicação um processo que se arrastou durante anos nos tribunais. Este livro é uma verdadeira pérola no que se refere à poesia portuguesa. Traz-nos desde as medievais canções de amigo e mal dizer até poetas bem mais recentes (e que muitos nunca pensaram ter escrito nada de erótico) como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Jorge de Sena e Eugénio de Andrade. São muitos dos grandes nomes da poesia num único livro, todos com poemas sobre o mesmo tema e reunidos por Natália Correia, também ela uma poetisa de mão cheia. Esta edição torna-se ainda mais especial por ser ilustrada por Cruzeiro Seixas, por nos trazer um enquadramento histórico excepcional em modos de introdução e ao longo da obra várias biografias dos autores. Sem dúvida, um livro a não perder! Recomendado! 5*
Outrora e outros tempos
Olga Tokarczuk

Olga Tukarczuk nasceu a 29 de Janeiro de 1962 em Sulechów, na Polónia. Formada em psicologia, venceu em 2018 o prémio Man Booker Internacional e o Prémio Nobel da Literatura. Outrora é uma aldeia que fica mesmo no centro do universo. Pelo menos para quem dela faz parte. É guardada por quatro Arcanjos, um a norte, outro a sul, outro a este e outro a oeste. Há quem acredite que não há nada para lá das fronteiras desta aldeia.. os que saem apenas sonham, os que entram são inventados pela própria fronteira. A única constante é o tempo e a sua passagem, o correr das estações e o avançar da idade destes aldeões. Eu li o Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos, da mesma autora, há algum tempo e ainda hoje me lembro daquela história. Lembro-me que naquela altura a maneira como a autora escreve e a história que construiu me impactou bastante. Não esperava que esta nova leitura pudesse superar a anterior, mas a verdade é que superou. Ler este livro trouxe-me a sensação de que estava a ler algo totalmente novo – e isso é dificil, eu leio imenso! Estranhamente esta é também uma história bastante simples – uma aldeia, duas guerras e a passagem do tempo. Já li algo assim, muitas vezes. Mas este livro é diferente. Primeiro porque a autora tem um dom único para misturar o real e o irreal. Os arcanjos existem mesmo naquele mundo? Podemos dizer que sim, podemos dizer que não. Talvez seja apenas um reflexo do nosso próprio mundo com umas metáforas meio mágicas à mistura. Ou talvez seja realmente uma aldeia diferente, de outro universo onde não existe nada para lá das fronteiras desta terra, onde por acaso as fronteiras recriam alguns acontecimentos semelhantes aos que aconteceram cá. Mas o verdadeiro dom desta autora está nas personagens. Todas elas são simultâneamente simples e complexas como cada um de nós. Nós podiamos ser as personagens de Olga – e ao mesmo tempo isso seria impossível. São personagens humanas, com virtudes e defeitos, que nascem, crescem, envelhecem e morrem. Personagens que se bamboleiam na linha entre a realidade e a ficção, a loucura e a sanidade. Não precisamos de as conhecer a fundo para as conhecer a fundo. E têm, entre elas, relações complexas. Coisas que se dizem sem ser ditas. Depois, é também uma história que reflete o que de pior há na humanidade. A guerra, a morte, a fome, a violação, o abandono… todos eles fazem parte deste livro mas estão tão enredados nas próprias personagens que quase não são vistos como o tema principal. O tema é o tempo. Tudo segue, a vida continua mesmo quando não se quer. Incrível. Excepcional. Uma autora que mereceu, sem sombra de dúvida, o Prémio Nobel da Literatura. 5* Faltou apenas, na edição, um mapa de Outrora e das suas fronteiras. Senti falta disso no início da história, quando a descrição é feita. Teria sido a cereja no topo do bolo.
Sete minutos depois da meia-noite
Patrick Ness

Patrick Ness nasceu a 17 de outubro de 1971 na Virginia, EUA. É escritor, jornalista e conferencista e já foi professor de escrita criativa. Em Sete minutos depois da meia-noite conhecemos Conos O’Malley, um rapaz de treze anos que todas as noites tem o mesmo pesadelo e que certa noite começa a ser visitado, à 0h07m, por um monstro que é o teixo do seu jardim. Esse monstro vem para lhe contar três eestranhas histórias e, no fim, para ouvir a quarta história da boca de Conor, uma história que seja verdade. Acontece que a mãe de Conor está doente, muito doente. O pai mora na América e a avó não é uma avó muito comum. Sete minutos depois da meia-noite é um livro que pode ser considerado juvenil e jovem adulto e que fala de um tema extremamente difícil: a doença e a perda de uma mãe. É um livro que está magnificamente escrito, que tem aventuras e emoções na quantidade certa, uma história dolorosa mas bonita, de crescimento e aprendizado. E consegue fazê-la adequada para as idades dos leitores desta obra, sem se tornar fastidiosa ou desinteressante. Provavelmente, um dos melhores livros para estas idades que conheço. Muito recomendado! 5*
A Cadela
Pilar Quintana

Nesta obra conhecemos Damaris, uma mulher cujo maior sonho era ser mãe. Com o marido, Rogelio, acorrem a diversos místicos na esperança de conseguirem uma gravidez mas encontramo-los neste livro já na casa dos quarenta e sem esperança de virem a ser pais. Damaris, num acesso de espontâneadade, adopta então uma cadela bebé, a quem dá o nome que teria dado à filha que nunca teve. Mas a cadela vai crescendo e defraudando as expectativas que Damaris tinha nela. Uma narrativa que nos envolve num ambiente místico e assustador, com a selva de um lado e o mar do outro, e nos faz temer as tempestades e as criaturas da noite. Mas os maiores terrores desta história estão longe de ser os da natureza: são os sonhos defraudados, as expectativas roubadas, o olhar e os julgamentos alheios, a morte e os traumas. É uma história dura, de uma mulher que nunca alcançou a felicidade, de um homem que parece duro e cruel mas no fundo está apenas a enfrentar as coisas à sua maneira. E de uma cadela que, no fundo, é só uma cadela. É uma leitura fluída e agradável, mas não é uma leitura fácil. É uma leitura que nos traz temas difíceis e um final que nos deixa de coração apertado e lágrima no canto do olho. Como é possível chegar àquele ponto?! Pilar Quintana revela um dom com este livro. Ela consegue realmente levar os leitores ao meio da selva, pô-los a ouvir as tempestades do mar e a ver o pequeno Nicolasito surgir do meio das ondas. Doem-nos as dores destas personagens. Muito recomendado. 5*
Antologia dialogante de poesia portuguesa
Rosa Maria Martelo

Quem me conhece sabe que eu adoro poesia. No entanto, este é um género literário que eu não trago muitas vezes aqui ao blog. Primeiro, porque são posts que habitualmente nunca têm tanta “saída”; e depois porque é sempre difícil saber o que dizer exactamente sobre um livro de poesia. Ainda assim há livros de que é impossível não falar. E esta antologia apaixonou-me de tal maneira que não podia deixar a sua leitura passar em branco. A Antologia Dialogante é exactamente isso… uma antologia de poemas de diversos autores em que os poemas dialogam entre si. A obra divide-se em conjuntos de cerca de 3 ou 4 poemas na sua maioria. Interessou-me, inicialmente, pelo seu valor enquanto obra de estudo literário. É curioso ver estas ligações poéticas e é sem dúvida um assunto que daria pano para mangas. Mas entretanto acabei por adorar esta leitura também enquanto fã de poesia que sou. Requisitei o livro da biblioteca, mas vai ser certamente uma das próximas compras. Magnífico! Livro preferido! Muito recomendado! 5*
48 ensaios
Virginia Woolf

Adeline Virginia Woolf nasceu a 25 de janeiro de 1882 no Reino Unido. Foi escritora, ensaísta e editora. Quem me conhece sabe que sou uma fã assumida de Virginia Woolf. No entanto, sei que a leitura das suas obras não agrada a todos. Woolf escrevia ficção em fluxo de consciência, o que torna a leitura um pouco mais dificil para quem não está habituado. Estes ensaios, por sua vez, estão escritos de maneira “normal”. Portanto, a primeira coisa que tenho para vos dizer é que são de leitura bastante mais acessível do que algumas outras obras da autora. Estes 48 ensaios abarcam temas como leitura, escrita, mulheres e ficção. A edição é de óptima qualidade, como costumam ser as edições da Relógio D’Água. Para quem estuda ou se interessa por estes temas, é sem dúvida um livro para ler e ter na estante: pode ser bastante útil. A escrita é deliciosa, as histórias e informações interesantes e cativantes e vários destes ensaios são desafiadores, quer para a sociedade da época quer para alguns possíveis leitores de hoje em dia. Muito, muito recomendado. Livro preferido. 5*
As Vinhas da Ira
John Steinbeck

John Steinbeck nasceu a 27 de fevereiro de 1902 na Califórnia e faleceu a 20 de dezembro de 1968 em Nova Iorque. Foi escritor, membro da Ordem DeMolay e recebeu o Nobel da Literatura em 1962. Em As Vinhas da Ira acompanhamos uma família pobre americana que, à época da Grande Depressão e devido a fortes tempestades de areia e ao capitalismo que começava a imperar na zona, é obrigada a sair das terras que sempre tinham conhecido como suas e migrar para a Califórnia, onde se dizia haver mais trabalho. Um problema que afetou cerca de meio milhão de americanos. O livro As Vinhas da Ira, publicado cerca de dez anos depois deste fenómeno, chocou e escandalizou a sociedade da época. As Vinhas da Ira foi a leitura coletiva mais recente da nossa Comunidade de Leitura. E ainda bem que o lemos em grupo, pois esta é uma leitura que ganha imenso com uma dinâmica desse género. É um livro com quase 600 páginas, denso, repleto de informação, repetições e comparações, que nos conta uma época muito dura da história americana. Não é uma leitura fácil, mas é uma leitura importante e marcante. A escrita do autor é verdadeiramente genial: desenvolve nesta trama diversas personagens, todas complexas, com os seus próprios motivos, duvidas e personalidades; fala de pobreza, de pobreza extrema, de politica, de capitalismo, de revolta e de subserviência. Fala sobre o desespero e sobre o que é não ter mais nenhuma opção além da pior opção. O livro desenrola-se intercalando capítulos sobre as personagens principais e a sua história e capítulos intermédios que nos ajudam a compreender melhor o mundo que as rodeava. É um livro que marca a história americana ao representá-la de forma nua e crua. É verdadeiramente impressionante. Livro essencial. Muito recomendado. 5*
Como água para chocolate
Laura Esquivel

Laura Esquível nasceu na Cidade do México a 30 de setembro de 1950. É escritora, argumentista e deputada. Em Como água para chocolate conhecemos Tita, a mais nova de três irmãs e que portanto, segundo a tradição familiar que a mãe insiste em preservar, está proibida de se casar para cuidar da sua mãe na velhice. Acontece que Tita apaixona-se por Pedro e não só é a primeira das três a apaixonar-se, como é a única. A mãe, claro, proíbe essa casamento e como para Pedro a única hipótese de ficar perto de Tita é casar com a irmã mais velha, Rosaura, o rapaz acaba por aceitar tornar-se cunhado da mulher que ama. Seguem-se décadas de paixões e segredos, de voltas, reviravoltas e muitas… receitas. Como água para chocolate é um livro que apela aos cinco sentidos. Tita cresce na cozinha da casa e acaba por tornar-se ela própria uma cozinheira muito especial. Ao longo desta deliciosa leitura quase conseguimos sentir os cheiros e os sabores destas comidas, quem sabe até os seus efeitos… É um livro fantástico que se lê em menos de nada. Admito que o fim dos amores de Tita não é o que eu esperava. A determinado momento da história dei por mim a torcer por um final que não aconteceu, mas até não era mau. E depois, de repente, nas últimas frases, o final que não era mau passou a terrível. Excelente, mas terrível. Certamente um final que não vou esquecer tão depressa. Muito recomendado. Livro preferido. 5*
O Acontecimento
Annie Ernaux

Annie Ernaux nasceu em Lillebonne a 1 de setembro de 1940. Foi a vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 2022. Em O Acontecimento conhecemos uma jovem estudante de 23 anos que descobre que está grávida. No tempo da acção, em 1963, a gravidez de uma rapariga solteira era algo muito mal visto. Ela sabe, desde o primeiro momento, que a sua única solução é um aborto: não quer nem está preparada para ser mãe. No entanto o aborto é também ilegal e muito, muito perigoso. Acompanhamos então a jornada da personagem em busca de uma forma de abortar… Annie Ernaux foi a vencedora do nobel “pela coragem e acuidade clínica com que descortina as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal”. Neste momento, após ter lido esta obra, parece-me que “coragem e acuidade clinica” são de facto as melhores expressões para a descreverem. Que livro! É uma obra pequena, de apenas 87 páginas. A escrita é deliciosa, forte e sedutora, vagueia entre a situação da personagem-narrador que nos surge em forma de memória e alguns outros pensamentos que a personagem vai tecendo. É um livro fácil de ler, mas não é um livro fácil de digerir. Eu terminei a leitura verdadeiramente agoniada com as descrições da personagem, com a sua situação, com a sociedade. É um livro que nos deixa em alvoroço e nos dá a volta ao estômago. Possivelmente uma das melhores leituras do ano. Muito recomendado. 5*
As canções de António Botto

António Tomás Botto foi um poeta, contista e dramaturgo português que nasceu a 17 de agosto de 1897 em Concavada e faleceu a 16 de março de 1959 no Rio de Janeiro. Da mesma geração de poetas como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, com quem travou conhecimento, António Botto é ainda assim bastante menos conhecido do que eles. Foi um dos precursores do verso livre e é considerado um poeta maldito da literatura portuguesa. A sua poesia fala, de forma bastante clara, sobre o amor homossexual, o que causou um enorme escândalo na sociedade da época. Ostracizado e infetado com sifilis o poeta acabaria por se exilar no Brasil, onde morreu depois, brutalmente atropelado. Quem me conhece sabe que sou uma apaixonada por poesia, apesar de não falar muito frequentemente dela aqui no blog. António Botto é, sem sombra de dúvida, um dos meus poetas preferidos. A sua poesia é bastante irregular em termos de métrica e rima e portanto, diria eu, não é da poesia mais fácil de ler para quem não está habituado ao género. Ainda assim eu acho que vale muito a pena tentar. Os poemas de Botto são um misto de amor, erotismo, dor e coragem. Por vezes em alguns poemas notamos uma forte ironia, uma revolta mesmo, contra alguns aspetos e personagens da sua sociedade. Não são os meus preferidos, mas admito que admiro a coragem que teve para os escrever. Acima de tudo esta obra, As Canções de António Botto, está repleta de uma honestidade atroz. O autor expõe-se de uma maneira que vemos muito poucas vezes. Muito recomendado. Livro preferido. 5*