Sete livros que já li e ainda quero reler

Pedro Páramo – Juan Rulfo

Wook.pt - Pedro Páramo

Livro Físico

“No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te. Ias tingida de vermelho pelo sol da tarde, pelo crepúsculo ensanguentado do céu. Sorrias. Deixavas para trás uma aldeia da qual muitas vezes me disseste: “Amo-a por tua causa; mas odeio-a por todas as outras coisas, até por ter cá nascido.” Pensei: “Jamais regressará; nunca voltará.”

Nesta história Juan Preciado foi criado pela mãe, sem nunca ter conhecido o seu pai. Então, no leito de morte, ela obriga-o a prometer que irá procurar o seu pai, Pedro Páramo, e fazê-lo dar-lhe o que lhe é devido. E Juan Preciado vai. Parte então para Comala, uma pequena cidade que se situa numa região deserta, onde vive o seu pai, o grande senhor e dono da terra. Então, Juan começa a perceber algo estranho. Todas as pessoas com quem ele vai falando nessa cidade, todas as pessoas que ele encontra, estão mortas. Comala é uma cidade fantasma! Através deles ele vai conhecendo a história de Pedro Páramo, o seu temível pai, e de todo o mal que ele fez àquelas pessoas. Em tempos, Pedro Páramo amou uma mulher, mulher essa que morreu. As pessoas de Comala, que pouco ou nada se importaram com essa perda, ganharam então o ódio de Pedro Páramo e se já antes ele era cruel agora seria temível. Mais temível que ele era apenas Miguel Páramo, o único filho dos muitos bastardos que fez que reconheceu. Violações e assassinios eram comuns para esse rapaz. Quando morre ao cair de um cavalo, o padre vê-se obrigado a fazer a missa por ele e é então castigado pela Igreja, ficando incapaz de absolver os fiéis dos seus pecados. Isso leva a que todas as pessoas que morrem a partir daí em Comala vagueiem eternamente por ela.
Juan Rulfo tem uma escrita deliciosa e muito acessível, mas Pedro Páramo está longe de ser um livro fácil de ler. A narrativa não é linear, ora está no presente ora vai ao passado; a narração é feita por vezes na primeira pessoa, outras vezes na terceira pessoa; e a história é extremamente complexa e construída como se fosse uma manta de retalhos. Vamos sabendo tudo aos poucos, intercalado. E tudo isto em menos de 200 páginas! Li e irei com certeza reler, porque me deixou a sensação de não ter percebido tudo. É uma daquelas leituras a que é preciso voltar, uma e outra vez. Pedro Páramo é um livro verdadeiramente incrível. É dificil explicar o porquê a quem não conhece a história, mas a verdade é que nunca li nada minimamente parecido com isto. Em um ou outro momento fez-me lembrar os Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez, mas as histórias são tão diferentes que nem faz sentido compará-las. Um livro excepcional! 5*

Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos
Olga Tokarczuk

Livro Físico

“Foi a última vez que a vi. Chamei-a, zangada por me ter deixado enganar tão facilmente e por ser impotente face aos estranhos mecanismos da escravidão. Comecei a calçar-me e senti que aquela manhã cinzenta e assustadora me aterrorizava. Às vezes, tenho a impressão de que vivemos num grande e vasto sepulcro, com muitas pessoas. Olhei para o mundo submerso numa Escuridão cinzenta, fria e desagradável. A prisão não está no exterior e, sim, no interior de cada um de nós. É possível que não saibamos viver sem ela.”

Em Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos conhecemos a história de Janina Duszejko, uma velha senhora que vive numa aldeia isolada na Polónia. Amante da solidão e dos animais, Janina é astróloga, professora, encarregada de várias das casas da aldeia e tem uma estranha fixação por alcunhas. Tudo parecia calmo e normal naquela pequena terra, até que alguns caçadores começam a aparecer misteriosamente mortos. Janina, excêntrica e imprevisível, defende que são os animais que os matam, como vingança por todo o mal que eles fizeram. Mas será mesmo possível? Quem lê muito, como eu, pode por vezes pegar numa nova leitura e acabar a sentir que está só a “ler mais do mesmo”, mais uma história igual a tantas outras, mais um clichê. Se há coisa que não acontece com esse livro, de todo, é essa sensação. O Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos é um livro totalmente fora da caixa (pelo menos eu nunca tinha lido nada parecido), que nos surpreende aos poucos. Não vou dizer que é uma leitura leve, fácil e corrida, porque não é. Mas também, diria eu, não é isso que se espera ler quando se começa a ler um prémio nobel. Janina é uma senhora idosa e a escrita de Olga conta a sua história exatamente como eu imaginaria que uma senhora idosa contasse a sua história: lenta e pausadamente, com toda a calma que a idade traz. Ainda assim não se torna enfadonho nem demasiado monótono. É um ritmo continuo e cadenciado, quase, diria eu, como se a autora nos embalasse na sua escrita. Quanto à história, tenho a dizer que me agarrou. Dizer que Janina é excêntrica é dizer pouco. Ela faz horóscopos, mapas astrais e prevê a data das mortes das pessoas. Defende que os assassinos são os animais, que os animais decidiram vingar-se e consegue ainda convencer algumas personagens da sua teoria. A dado momento, dei comigo também a tentar acreditar na sua teoria. Se tem razão ou não, isso vão ter de ler para saber…  É um livro verdadeiramente bom, com uma história diferente e que nos traz nas entrelinhas uma ou outra verdade dura que nem todos queremos ouvir. Acredito que muitos não irão gostar deste livro. Eu adorei! Livro muito recomendado! Sem dúvida merece uma leitura (e uma releitura) atenta!

O Monte dos Vendavais – Emily Brontë

Wook.pt - O Monte dos Vendavais

Livro Físico

“Os meus grandes tormentos neste mundo têm sido os tormentos de Heathcliff, e eu observei e senti cada um deles desde o princípio; o meu grande pensamento na vida é ele. Se tudo o mais desaparecesse e ele permanecesse, eu continuaria a existir; e se tudo o mais permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia um imenso desconhecido. Eu não pareceria uma parte dele. O meu amor por Linton é como a folhagem das florestas. O tempo há-e mudá-lo, tenho perfeita consciência disso, como o Inverno muda as árvores. O meu amor por Heathcliff assemelha-se às rochas eternas que existem por baixo: uma fonte de puro deleite visível, mas necessárias.”

Em O Monte dos Vendavais conhecemos a história de Heathcliff e Catherine e das suas famílias. Encontrado abandonado pelo pai de Catherine quando ainda era uma criança Heathcliff é levado para a casa da família e lá é criado, mas nunca chega a ser tratado realmente como um dos seus membros. Ostracizado por Hindley, irmão de Catherine, tratado muitas vezes como um empregado, o verdadeiro pesadelo de Heathcliff começa quando a família de Catherine conhece a família de Linton, que logo se apaixona por ela. Eu já tinha lido várias opiniões sobre este livro e, por isso, não posso dizer que não conhecesse a história. Ainda assim, fiquei imensamente surpreendida. Sabia que ia ser um livro um tanto ou quanto mórbido, com uma história dramática e fora do comum. Mas superou em muito todas as minhas expectativas. Se no início me senti tentada a simpatizar com Heathcliff, a verdade é que a partir de determinado momento ele se transformou numa das personagens literárias mais odiosas que já conheci. Se teve razões para se tornar numa pessoa amarga e vingativa? Sim. Mas podia perfeitamente não o ter feito. E a falta de escrúpulos que ele alcança foi algo que me impressionou bastante. Muito se fala, quando se fala nesta obra, do momento em que ele pede ao coveiro para partir um dos lados do caixão de Catherine e um dos lados do seu, quando ele morrer, para poderem ficar lado a lado. Soa horrível mas a verdade é que para mim isso esteve muito longe de ser a pior coisa que ele fez. Não posso dizer que não tenha gostado desta leitura. Adorei, para dizer a verdade. A história é inebriante, a leitura é corrida, as sensações que nos dá são intensas. Mas percebo perfeitamente que esta não é uma obra capaz de agradar a qualquer pessoa. É uma obra pesada, quase surreal. Não existe mundo nesta história além daquele que esta dentro de uma daquelas duas casas, ou no caminho entre elas. Não existe uma normalidade e há coisas que nunca chegamos a saber. Afinal, como foi que Heathcliff enriqueceu? Por onde andou? Tentei criar empatia com Heathcliff, tentei compreender a primeira Catherine e, mais tarde, fiz as mesmas tentativas com as personagens que os seguem. De pouco adiantou. Heathcliff transformou-se oficialmente na personagem literária que eu mais detesto, se é que podemos detestar assim alguém que não existe realmente. E, apesar de tudo isto, este transformou-se estranhamente num dos meus livros preferidos. Tenho para mim que não é qualquer livro que nos causa sensações tão intensas. Livro recomendado!

Monstros Fabulosos – Alberto Manguel

250x (1)

Livro Físico

“Nunca chegamos a uma ilha deserta sem ansiar por partir. Ancorados em terra firme, sonhamos navegar para lá do horizonte e desembarcar numa costa selvagem onde poderemos construir um mundo como nos aprouver, ser déspotas de um universo ínfimo e privado. Mas, uma vez na ilha, uma vez tomados pelo frio, a fome, o medo, o aborrecimento e a desolação, a única coisa em que pensamos é na forma de sair dali. Quando lhe perguntaram que livro levaria para uma ilha deserta, C.K. Chesterton respondeu: «Um manual de construção de barcos.»”

Em Monstros Fabulosos: Drácula, Alice, Super-Homem e outros amigos literários Alberto Manguel reapresenta-nos mais de 30 personagens literárias que todos conhecemos e que são, segundo parece, as suas preferidas. E fala delas, analisa-as e às suas vidas, explora as relações delas com os leitores. Este livro é uma obra fantástica sobre grandes personagens mas é também uma bonita reflexão sobre a condição humana. Ao falar deles, Alberto Manguel fala de nós. É um livro sobre leituras, literaturas e… a própria vida. Cada leitura é única, como cada personagem, como cada leitor e momento. A escrita de Manguel é erudita e original, mas é ao mesmo tempo fácil de ler, divertida e muito saborosa. Este foi um livro que me deliciou do início ao fim, uma obra terna que me levou a revisitar histórias que não revisitava há muito. Instrutiva, mas sem se tornar pesada. Tocante, mas não em demasia. Que nos põr a pensar no futuro e em nós, ao mesmo tempo que nos leva para visitar velhos amigos de papel e tinta. Eu adorei cada palavra deste livro e fiquei com muita vontade de ler mais coisas deste autor. Muito recomendado! 5*

Cem Anos de Solidão – Gabriel García Márquez

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Livro Físico

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo.”

“Taciturno, silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, o coronel Aureliano Buendía compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa velhice não é mais do que um pacto honrado com a solidão.”

” «As coisas têm vida própria», apregoava o cigano com um sotaque áspero, «é tudo uma questão de lhes acordar a alma.» “

Em Cem Anos de Solidão conhecemos a história da família Buendía, desde o seu patrono José Arcádio ao último dos Buendía, Aureliano. Com eles conhecemos também a história de Macondo, a terra de que os primeiros Buendía foram também fundadores. Esta obra era uma das minhas metas literárias para este ano. Chegado Novembro e eu sem ter tido ainda coragem de lhe pegar, achei que tinha mesmo de ser agora ou já não era e lá fui eu. Já me tinham avisado que não seria uma leitura fácil, não só pela escrita densa de Gabo mas também pela intrincada árvore genealógica dos Buendía onde cada um tem o nome de outra pessoa. E realmente, foi mesmo assim. A escrita é densa mas maravilhosa, mas isso eu já sabia das obras que já tinha lido do autor. Os Buendía por sua vez eu admito que ainda pensei que “não podia ser assim tão complicado” mas enganei-me redondamente. É mesmo complicado, não só por todos terem os mesmos nomes mas também pelo hábito desta família de se enamorarem entre si. Cem Anos de Solidão não é uma história fácil de resumir. São muitas e muitas personagens, cada uma com a sua história e forma de se relacionar com as outras. É complexo, mas muito interessante. No fim, algo que as une a todas: a solidão. Há um pouco de tudo neste livro: romance, amor, morte, solidão, critica social, critica politica…. Eu adorei sinceramente esta obra. A escrita é fantástica, a história é belíssima e complexa e com enormes toques do realismo mágico que tanto caracterizam o Gabo e que eu adoro, as personagens são encantadores a e muito realistas à sua própria maneira. Foi um livro que me agarrou do inicio ao fim e que eu tive imensa pena de terminar, principalmente pela forma como terminou. Mas acho que não poderia ser diferente… Eu amei cada página, cada personagem, cada uma das suas histórias individuais. Esta foi sem dúvida uma das melhores obras do ano e que vai entrar directamente na minha lista de preferidos. Não acredito que esperei tanto tempo para o ler! Livro muito recomendado!

Torto Arado – Itamar Vieira Junior

Wook.pt - Torto Arado

Livro Físico

“Sua filha mais nova pergunta quando o pai irá voltar e você responde que não voltará. Sua filha chora e mesmo assim você resiste. Se fosse você que estivesse ausente, seu marido não deixaria as crianças fraquejarem. Ensinaria a prosseguir encontrando forças no trabalho, na luta que pode ser a vida todos os dias. Então você afaga a cabeça da menina, deita-a no colo, promete algo que esteja ao seu alcance, um sorvete ou um saco de pipoca quando for à cidade. Mas não pode dizer que ele irá voltar, seria cruel com qualquer um, e mesmo uma menina de pouca idade não poderia se agarrar a uma promessa que não será cumprida.”

Nesta obra conhecemos a história das irmãs Bibiana e Belonisia e de todos os que as cercam. Um dia, ainda meninas, as irmãs invadem o quarto da sua avó para desvendar os mistérios que ela esconde numa mala debaixo da cama. Mas essa brincadeira, que deveria ter sido só uma brincadeira de crianças, tem um final trágico que mutila uma das irmãs para sempre. Esta é a história da vida destas duas irmãs, mas é também muito mais que isso. É a história de todo um povo. A história das mulheres que matavam os seus filhos para que eles não fossem escravos, a história dos homens que trabalhavam de domingo a domingo pelo simples direito de pisar a terra que lhes dava a comida, a história das pessoas para quem o dia da abolição da escravatura não passou de um dia igual a todos os outros. É a história de quem furava os pés nos picos do chão por andar descalço, das mulheres marcadas da pancada dada pelos maridos, de uma religião de danças e magias, de sofrimento e de muita, muita coragem. Não há muitos livros que me ponham a chorar mas este deixou-me com umas lágrimas no canto olho. Torto Arado é o primeiro romance de Itamar Vieira Junior, que lhe valeu o Prémio Leya de 2018. Itamar é brasileiro, nascido em Salvador em 1979 e formado em geografia. A escrita nesta obra é sedutora, saborosa e de uma leitura fácil, mas não é uma obra que se leia rapidamente. Apesar da enorme acessibilidade da escrita a história é dura, o que torna o livro mais pesado. Mas é, acima de tudo, um livro incrível! Comovente. Inspirador. Fantástico. De dar um nó no estômago e nos fazer chorar de vergonha por pertencermos à espécie humana. Não me admira nada se um dia este livro se tornar ele próprio um clássico da literatura. Muitíssimo recomendado!!! 5*

Fica Comigo – Ayòbámi Adébáyò

Livro Físico

“Além disso, que seria do amor sem as meias-verdades, sem as versões melhores de nós próprios que exibimos como se fossem as únicas possíveis?”

Fica comigo é a história de Yejide e Akin, um casal nigeriano que não consegue ter filhos. Profundamente apaixonados, a relação é afectada quando Funmi entra na história, a nova mulher que a família de Akin arranja para ele, para que ele tenha descendência. A história começa verdadeiramente com a entrada dessa nova personagem, mas está longe de rodar em torno disso. Até onde pode ir um casal para concretizar o seu desejo mais profundo? Poderá uma relação sobreviver a isso, por mais forte que seja? Este livro não estava nada dentro dos planos. Encontrei-o por acaso na biblioteca, abri só para dar uma espreitadela e não consegui parar até acabar a história. É um daqueles livros que nos viciam, que não deixam que nos esqueçamos deles, que ficam connosco durante muito tempo. Podia ser uma história real. Acho que não é, mas podia. É uma história de fé e desespero, da grande dor de uma mulher cujo maior sonho é ser mãe. É a história dos muros que se erguem em torno da dor de cada um, da maneira mais ou menos torta de amar de cada um, de confiança e de mentiras. É uma leitura de qualidade, com conteúdo, mas escrito de forma muito fluída e simples. Vamos conhecendo a história desta família a duas vozes, ora contada por Yejide ora por Akin. Um livro 5*! Muito recomendado!

2 comments

  1. Estou muito curiosa para ler o Conduz O Teu Arado Sobre Os Ossos Dos Mortos. Já tinha ouvido falar, mas fiquei ainda com mais vontade de o adquirir, depois de ler a tua opinião.
    Quanto ao Cem Anos de Solidão, já li, mas deixei a meio, porque acho que que não o li na altura certa. Pareceu que ao longo das gerações, a história era sempre a mesma e aborreceu-me um bocado, mas acho que é daqueles que vou tentar reler daqui a uns tempos.
    Beijinhos,
    Six Miles Deep

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