As Crianças Invisíveis – Patrícia Reis

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“Tudo acaba, é aguardar e o momento chega. Não é quando se espera. As luzes apagam-se e as sombras crescem. É um repente. O corpo encolhe-se um pouco, as mãos cerradas, prontas para qualquer luta. Há monstros.”

“M. sempre pensou que o coração não iria sobreviver a tanta solidão, porque a verdade é que uma criança precisa de uma família, ou talvez seja um exagero, uma criança precisa de uma mãe. Uma mãe capaz de entender que os corredores são o espaço e os sonhos têm escorregas e que, por vezes, a vertigem de ir escorrega abaixo é hipnotizante, possui a habilidade de mudar a vida de quem acredita.”

“Era uma forma de dizer que estava tudo bem. E sim, estava tudo bem, mesmo sem saber o que é a felicidade. Fazia Mais sentido.”

“Queriam que falasse e exigiam um sorriso. Outra vez aquela conversa. Como é que se desenha um sorriso na cara de alguém? Deveriam inventar canetas especiais para conseguir tal proeza nos músculos do rosto.”

“Essa outra possibilidade de existência assemelhava-se a algumas personagens dos livros, porventura não os evidentes para alguém como M. Podia ter uma espada. Um barco. Uma casa de chocolate e gengibre sem bruxas nem forno para crianças. Moto de grande velocidade, nave espacial, submarino e, novamente, capa e espada e passagens secretas em palácios de prata e infinitos. Arcas com tesouros e cavalos inteligentes, possibilidades acrobáticas num corpo atlético e, por vezes, um amor.”

 

Resultado de imagem para patricia reis"Patrícia Reis nasceu em 1970, em Lisboa. Começou a sua carreira de jornalista em 1988 e desde 2000 que assume a edição da revista Egoísta. Estreou-se na ficção em 2004, com Cruz das Almas, a que se seguiram os romances Amor em Segunda Mão (2006), Morder-te o Coração (2007), que integrou a lista de 50 livros finalistas do Prémio Portugal Telecom de Literatura, No Silêncio de Deus (2008), Antes de Ser Feliz (2009), Por Este Mundo Acima (2011) Contracorpo (2013) e A Construção do Vazio (2017). É ainda autora de biografias, de um romance fotográfico e de livros infantojuvenis. A sua novela O que nos separa dos outros por causa de um copo de whisky (2014) ganhou por unanimidade o Prémio Nacional de Literatura da Fundação Lions. Publicou em 2116 o romance Gramática do Medo, escrito em parceria com Maria Manuel Viana. As Crianças Invisíveis (2019) é o seu mais recente romance.

Em As Crianças Invisíveis conhecemos A Casa, um lar de crianças institucionalizadas e, claro, aquelas que a integram. No centro da narrativa temos M., conhecemos a história do seu abandono, a sua infância e vemos como cresce. Conhecemos as suas dificuldades, as relações que vai conseguindo ou não criar, as suas indas e vindas e tudo o que presencia.

Esta é uma obra sobre abandono, maus-tratos e adopção. É dura, eu achei-a muito dura, mas é fantástica. Tirando alguns casos especiais, não conhecemos o nome das crianças nem se é menino ou menina até ao final. E eu só me apercebi disso no final, quando se sabe o sexo de M. Não é uma informação necessária, mas esta opção por parte da autora é particularmente interessante. Afinal, não faz diferença se é rapaz ou rapariga, certo? Não faz.

A realidade de M. parece-nos a nós quase um mundo à parte. Mas na verdade ele está mesmo aqui ao lado, existe, é real. E é tão chocante. Crianças abandonadas, mal tratadas, espancadas, violadas, adoptadas e devolvidas…

Um livro surpreendente, tocante, que me deixou de lágrima ao canto do olho e me fez sentir impotente. Uma história dura, que afinal não é bem uma história, porque é demasiado real para isso. Um abre-olhos, que me pôs a pensar mais uma vez na incrível crueldade da raça humana. Como é possível?

Provavelmente, um dos melhores livros que li este ano!

Muito recomendado!

Livro na Wook

 

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