“O ódio dos brancos, a sua violência, era a gasolina que mantinha os motores do lucro a andar. Assim, nos últimos anos, virara-se para a economia – a sua história e as suas teorias – para aprender como o dinheiro modulava todas as opressões no mundo e criava todos os impérios, nações e colónias, com Deus e os seus inimigos usados para ceifar, e depois velar, a riqueza. Estabeleceria frequentemente o contraste entre o Rei dos Judeus, espancado, sem um vintém, a gritar traição uma cruz, e o papa coberto de jóias e elegantemente vestido a sussurrar homilias por cima do cofre do Vaticano.”

“Quer estivesse debaixo do corpo dela, debruçado sobre ele ou apertando-a nos braços, a sua negrura fazia-o vibrar. Então, sentia-se certo de que não apenas abraçava a noite, era dono dela, e se a noite que tinha nos braços não fosse suficiente, podia sempre ver a luz das estrelas nos olho dela.”

Toni Morrison, nascida Chloe Ardelia Wofford, foi uma escritora, editora e professora norte-americana. Nasceu em Lorain a 18 de fevereiro de 1931 e faleceu em Nova Iorque a 5 de agosto de 2019. O seu livro mais conhecido é o Beloved (ou Amada), de que já falámos aqui e que é simplesmente fantástico. Venceu o Prémio Nobel da Literatura em 1993.

Em Deus Ajude a Criança conhecemos Bride, uma jovem ousada, confiante e bem-sucedida, de uma beleza extraordinária, «negra como a noite, negra do Sudão». A sua mãe, Sweetness, de tez mais clara, nega à filha a mais simples forma de amor, precisamente por causa do seu tom de pele. Mas a história vai muito além disso…

Não é fácil falar deste livro. Há tanta coisa que se pode dizer, que ficava aqui o resto do dia. O livro até é pequeno, e deixem que vos diga é raro um livro desta extensão dizer tanta coisa.

No centro da história temos Bride, que nasceu negra como a noite e que toda a vida foi castigada pela sua mãe por isso. Bride cresceu e tornou-se uma mulher confiante e muito bem sucedida, mas carrega um segredo duro, pesado, algo que fez em criança numa tentativa de fazer com que a mãe gostasse dela. Não posso dizer que o segredo me tenha surpreendido, já o esperava quase desde o inicio da história, mas tinha muita esperança de estar enganada. É realmente muito cruel.

Depois temos Booker, um homem misterioso apaixonado por Bride mas que nunca fala da vida dele. Um dia abandona-a, sem mais nem menos. Porquê? Booker também tem os seus próprios fantasmas…

A escrita neste livro é muito boa, mas não se enganem, este não é um livro fácil de ler. Leva-nos para realidades muito duras, para histórias muito pesadas. Em determinado ponto, fez-me mesmo lembrar o Lolita, de Vladimir Nabokov. Mas se o Lolita está disfarçado de história de amor, este é simplesmente violento.

Não pensem que o livro não é bom. O livro é excelente, de leitura rápida, cru e duro. Consegue pôr os estômagos dos leitores a dar voltas, choca um pouco mais pelo que deixa subentendido do que pelo que diz. Está longe de se focar apenas no tom de pele de Bride e pode passar por algo mais leve, se não estiverem atentos às entrelinhas. A única coisa um pouco menos boa neste livro são os capítulos da melhor amiga de Bride, que não acrescentam grande coisa além de mostrarem que afinal ela não é assim tão sua amiga.

Gostei mais do Beloved, mas também adorei esta obra. Toni Morrison é sem dúvida uma autora de excelência, que mereceu muito o Prémio Nobel! Deus Ajude a Criança é uma obra que mereceu severas criticas, de muitas pessoas, mas admito que não concordo com elas. Ela cumpre a sua função: mostrar como os traumas da infância nos afectam em adultos. E eu revi-me, sim, neste objectivo.

Livro muito recomendado!

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