“Sua filha mais nova pergunta quando o pai irá voltar e você responde que não voltará. Sua filha chora e mesmo assim você resiste. Se fosse você que estivesse ausente, seu marido não deixaria as crianças fraquejarem. Ensinaria a prosseguir encontrando forças no trabalho, na luta que pode ser a vida todos os dias. Então você afaga a cabeça da menina, deita-a no colo, promete algo que esteja ao seu alcance, um sorvete ou um saco de pipoca quando for à cidade. Mas não pode dizer que ele irá voltar, seria cruel com qualquer um, e mesmo uma menina de pouca idade não poderia se agarrar a uma promessa que não será cumprida.”
Nesta obra conhecemos a história das irmãs Bibiana e Belonisia e de todos os que as cercam. Um dia, ainda meninas, as irmãs invadem o quarto da sua avó para desvendar os mistérios que ela esconde numa mala debaixo da cama. Mas essa brincadeira, que deveria ter sido só uma brincadeira de crianças, tem um final trágico que mutila uma das irmãs para sempre.
Esta é a história da vida destas duas irmãs, mas é também muito mais que isso. É a história de todo um povo. A história das mulheres que matavam os seus filhos para que eles não fossem escravos, a história dos homens que trabalhavam de domingo a domingo pelo simples direito de pisar a terra que lhes dava a comida, a história das pessoas para quem o dia da abolição da escravatura não passou de um dia igual a todos os outros. É a história de quem furava os pés nos picos do chão por andar descalço, das mulheres marcadas da pancada dada pelos maridos, de uma religião de danças e magias, de sofrimento e de muita, muita coragem.
Não há muitos livros que me ponham a chorar mas este deixou-me com umas lágrimas no canto olho.
Torto Arado é o primeiro romance de Itamar Vieira Junior, que lhe valeu o Prémio Leya de 2018. Itamar é brasileiro, nascido em Salvador em 1979 e formado em geografia. A escrita nesta obra é sedutora, saborosa e de uma leitura fácil, mas não é uma obra que se leia rapidamente. Apesar da enorme acessibilidade da escrita a história é dura, o que torna o livro mais pesado.
Mas é, acima de tudo, um livro incrível!
Comovente. Inspirador. Fantástico. De dar um nó no estômago e nos fazer chorar de vergonha por pertencermos à espécie humana.
Não me admira nada se um dia este livro se tornar ele próprio um clássico da literatura.
Muitíssimo recomendado!!! 5*