“Tento não pensar demais. À semelhança de outras coisas, agora o pensamento tem de ser racionado. Há muitas coisas em que é insustentável pensar. Pensar pode diminuir as hipóteses de uma pessoa, e a minha intenção é durar. Sei porque é que não há vidro na aguarela de lírios azuis e por que razão a janela só abre até certo ponto e porque é inquebrável o seu vidro. Não é a fuga que eles temem. Não iriamos muito longe. São aquelas outras fugas, essas que podemos abrir em nós mesmas, com uma ponta afiada.”
“Cai a noite. Ou já caiu. Porque é que a noite cai, em vez de raiar, como a aurora? E no entanto, se se olhar para oriente, ao pôr do sol, vê-se a noite a raiar e não a cair; as trevas a erguerem-se no céu, a partir do horizonte, como um sol negro por trás da cobertura das nuvens. Como o fumo de um fogo invisível, uma linha de fogo logo abaixo do horizonte, um incêndio florestal ou uma cidade a arder. Talvez a noite caia por ser pesada, uma cortina grossa fechada à frente dos olhos. Um cobertor de lã. Quem me dera poder ver no escuro, mais do que consigo.”
Nesta distopia publicada em 2013, ficamos a conhecer a história de Defred, num mundo que já não é o nosso mundo. A poluição extrema tornou grande parte da população estéril, extremistas de direita fizeram cair o governo americano e a América é agora Gileade, um estado fundamentalista que justifica violações com palavras da Bíblia. Defred é uma Serva, uma mulher fértil que foi tomada como escrava sexual para poder conceber filhos para a elite estéril. Agora o marido, a filha e até o nome que ela em tempos teve, já só existem na sua memória.
Nesta nova sociedade onde as crianças são raras e onde as mulheres estão proibidas de ler até uma simples tabuleta, vemos uma realidade muito diferente da nossa e, mesmo assim, muito possível.
Eu fiquei a conhecer este livro graças à série que foi baseada nele, The Handmaid’s Tale, que vi e adorei, por isso é impossível não traçar um paralelismo entre ambas.
Para mim, o livro é melhor que a série, claro. Ganha sobretudo nas personagens, já que na série somos um mero observador enquanto que no livro vemos tudo a partir dos olhos de Defred. De início isso é um choque tremendo. Ficamos na dúvida sobre quem é realmente esta Serva, sobre se ela é ou não a prisioneira que esperávamos. Depois acabamos por nos habituar e passamos até a gostar mais da Defred literária, que a mim me pareceu uma mulher bem mais real que a Defred da série.
Entretanto, a história em si é de causar arrepios. É sem dúvida a melhor distopia que já li, pelo simples facto de que é a mais possível de acontecer. É uma sociedade tão estranha e ainda assim tão real que nos causa um aperto no estômago, de dor e medo. E se chegarmos a este ponto, um dia? E se chegarmos a um ponto minimamente parecido com isto? Demasiado real para ser verdade.
A poluição, a esterilidade, o regime, a resistência, o amor e a leitura que são então proibidos, a pena de morte, tudo tão real e doloroso. E o final da história, em aberto, que deixa no leitor a vontade de ler a continuação que não existe. É um livro que nos deixa a pensar, arrepiados de medo, sobre o mundo em que vivemos.
A escrita é fácil de ler e muito, muito boa, com um toque de poesia e muita atenção aos detalhes. Vou sem dúvida ler mais livros desta autora.
Livro muito recomendado!