Canção da Mentira
Foi numa serra nevada
em Vila Franca de Xira
que um lagarto me ensinou
esta canção da mentira.
Ia um rei a cavalgar
na sua pulga preferida,
em cada salto saltava
uma légua bem medida.
Encontrou uma princesa
que chiava de aflição
ao ver um gato com garfo
e faca a comer um cão.
Como era um rei corajoso
puxou da espada de pau
para fugir a sete pés
mas tropeçou num lacrau.
Passou por baixo da ponte
quando chegou junto ao rio.
Tanto apertava o calor
que ele tremia de frio.
Visitou uma cidade
que andava a fazer o pino,
onde as igrejas dançavam
equilibradas no sino.
Quando voltou ao castelo
no meio do olival
viu carapaus a voarem
e nuvens a chover sal.
Veio o pai abrir-lhe a porta
quando ele bateu – truz, truz.
Estava a mãe a nascer
do ovo duma avestruz.
Como um disco voador
colhia flores no jardim,
embarcaram todos três
e a história chegou ao fim.
Luísa Ducla Soares
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
O pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o pato
Para ver o que é que há.
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela.