Lá, onde o vento chora
Delia Owens
Em Lá, onde o vento chora conhecemos a história de Kya, que aos seis anos vê a mãe partir ao longo da estrada com uma mala na mão, para nunca mais voltar. À mãe seguem-se os três irmãos mais velhos e por fim Jodie, o seu irmão preferido. Kya vive então durante algum tempo soziha com o pai, um ex-militar com um problema com o álcool, que tão depressa é um pai atencioso como passa dias seguidos sem sequer ir a casa. Então, quando Kya tem dez anos, fica definitivamente sozinha, quando também ele desaparece. Na aldeia todos a conhecem como A Miúda do Pantanal, uma selvagem. Até que um dia uma estranha morte acontece e ela se torna a principal suspeita… As expectativas estavam muito altas para este livro. Tenho lido imensos feedbacks positivos, tantos que já estava a desconfiar que não podia ser assim tão bom. Mas a verdade é que é. Kya é uma personagem por quem facilmente qualquer leitor se apaixona. A viver numa situação extrema, abandonada pela mãe, pelos irmãos, pelo pai e mais tarde pelo rapaz por quem se apaixona, Kyya é, no fim de contas, condenada a viver assim pelas decisões alheias. Ou será que não? A determinada altura ela está tão habituada à sua própria solidão que já não consegue pensar em viver no meio das pessoas. Mas ao mesmo tempo, tudo o que ela quer é não estar em tão completa solidão… Um livro comovente sobre a natureza humana e sobre as condições extremas em que uma pessoa consegue sobreviver, se fôr forçada a tal. Um livro profundo sobre solidão e amor e sobre o que é realmente importante, sobre ambiente, ecologia, preconceito e discriminação. Uma obra que é simultâneamente um drama, uma história de amor e quase um romance policial! Quase ficamos com vontade de ir até àquele pantanal e ficar lá a viver… com Kya! É uma obra extremamente bem escrita, que agarra o leitor do início ao fim e que nos surpreende quando menos esperamos. Um final incrível, e talvez um tanto ou quanto difícil de ultrapassar. Muito recomendado! 5*
Olá, Farol!
Sophie Blackall
Na ponta de uma pequena ilha isolada ergue-se um farol a iluminar a escuridão. Lá dentro, vive um faroleiro que mantém o farol aceso, escuta o silêncio e escreve à mulher do outro lado da água. Um dia a mulher vai ter com ele e passam a ser dois a manter o farol aceso, escutar o silêncio e olhar para a imensidão da água. Depois, passarão a ser três…
Olá, Farol! é um livro infantil belíssimo, com uma estética e umas ilustrações marcantes, que encantam os olhos e comovem a alma. Traz-nos uma história calma e ritmada sobre faróis, sobre a vida humana e a passagem do tempo. Ensina às crianças como era a vida de um faroleiro antes da chegada da tecnologia, com a sua solidão e a sua calma. Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura. Lindíssimo e muito recomendado. As ilustrações são primorosas! 5*
Minha Sombria Vanessa
Kate Elizabeth Russell
Nesta obra Vanessa Wye é uma adolescente de 15 anos que estuda num colégio interno, longe da família. É lá que conhece Jacob Strane, o seu professor de inglês, com quem acaba emotiva e sexualmente envolvida. Anos mais tarde, quando Vanessa é já adulta, várias antigas alunas de Strane juntam-se e acusam-no de assédio sexual. Mas Vanessa não acredita nelas. Para ela, aquilo que viveu não foi abuso mas sim uma história de amor. Ou será que não? Será só uma defesa? Este não é um livro fácil de falar. Não é um livro fácil de ler. Não é um livro para todos. É difícil de engolir, de mastigar, de digerir. Bastante gráfico em algumas partes, para alguns talvez demasiado explícito. Eu admito que não foi uma leitura fácil, mas foi uma leitura que me marcou fortemente. Lolita (de que falámos aqui) é largamente referenciado nesta obra, assim como várias outras obras dentro da temática. De facto, a intertextualidade que este livro nos traz é verdadeiramente notável e pode ser bastante interessante em estudos literários. Tal como Humbert Humbert, Strane é professor. E tal como Humbert Humbert, ele é pedófilo. Mas se em Lolita o leitor é manipulado pelo criminoso, pelo homem adulto que gosta de violentar a jovem, em Minha Sombria Vanessa a história é contada por Vanessa, a adolescente abusada e que acredita sinceramente que o que viveu foi uma história de amor. E isso é terrívelmente impressionante, o ponto a que alguém – uma vitima – chega, para nem sequer perceber o que lhe aconteceu. Nabokov, em Lolita, quase convence os leitores mais desavisados de que a história retrata uma história de amor. Em Vanessa, a nuvem de dúvida é bastante mais ténue, principalmente quando prestamos atenção às cenas de sexo. Mas não deixa de ser curioso como a própria Vanessa se torna numa leitora desavisada, iludida, que cai na teia de Nabokov e vê uma história de amor entre Humbert e Lolita. Minha sombria Vanessa é uma história verdadeiramente impressionante, implacável, chocante. Bastante gráfica, é tão difícil parar de ler como é continuar a ler. Dói profundamente perceber aquilo que esta jovem passou e ver como isso marcou a sua vida e a de todos os que a cercam. Sabemos que é ficção, mas a verdade é que isto também acontece na realidade. Dá a volta ao estômago até mesmo aos mais fortes, principalmente se ticerem filhas. Recomendado, muito recomendado, eu sei que não me vou esquecer deste livro e provavelmente ainda voltarei a ele. Mas com cautela porque, lá está, não é um livro para todos. 5*
A Biblioteca da Meia-Noite
Matt Haig

Nesta história conhecemos Nora Seed, uma mulher que dá por si sem vontade de continuar a viver. Sem família nem amigos chegados, sem emprego nem perspetivas de futuro, Nora decide de uma vez por todas pôr fim à vida e tenta o suícidio através de comprimidos. Mas no limiar entre a vida e a morte, Nora dá por si numa biblioteca infinita onde reencontra a velha bibliotecária da sua escola, a Srª Elm. Cada um dos livros desta biblioteca transporta Nora para uma vida alternativa que poderia ter sido dela se em algum momento ela tivesse tomado uma decisão diferente, desde as mais simples às mais complexas. E ao ver tudo o que poderia ter alcançado, Nora dá consigo a reaver a vontade de viver. Há livros com potencial para mudarem vidas. Este é sem dúvida um deles. Imensamente bem escrito, com um texto lindíssimo e uma história que apesar de não ser única é suficientemente criativa e peculiar. Nora é uma personagem que no início parece um pouco chata mas que nos apaixona à medida que vamos conhecendo com ela as suas diferentes vidas. Ela não é nada de especial, mas podia ter sido tudo. Pode ainda ser tudo. Uma história desconcertante sobre o poder das nossas decisões e como até a nossa mais pequena escolha pode ter um efeito devastador na nossa vida e na vida dos outros. Um livro que nos mostra que todos somos importantes, que todos podemos ser tudo o que quisermos e que temos em nós próprios o poder de tornar os nossos dias (e as nossas vidas) bons ou maus. É impossível começar a ler este livro e não terminar. E é impossível o leitor ler este livro e não se identificar (e se apaixonar!) por Nora! E o final é tudo o que queria e… ainda mais! Um livro magnífico, excepcional e assombroso! Quando terminei de ler só queria recomeçar! Entrou para a lista de livros preferidos! Muito, muito, muito recomendado! 20000*
Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica
Natália Correia

Natália de Oliveira Correia nasceu a 13 de setembro de 1923 em Fajã de Baixo e faleceu a 16 de março de 1993 em Lisboa. Foi uma escritora, poeta e deputada à Assembleia da República, interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Foi no final de 1965, em pleno Estado Novo, que o Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica chegou às livrarias. Era o segundo título publicado pela editora Afrodite, que já tinha visto o primeiro (o Kama Sutra!) ser apreendido e proibido pela censura do estado Novo. Em Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica Natália Correia traz-nos uma antologia de poemas portuguesas que, à época, eram considerados um atentado à moral e bons costumes. E, claro, foi apreendido e proibido pela censura e valeu aos intervenientes na sua publicação um processo que se arrastou durante anos nos tribunais. Este livro é uma verdadeira pérola no que se refere à poesia portuguesa. Traz-nos desde as medievais canções de amigo e mal dizer até poetas bem mais recentes (e que muitos nunca pensaram ter escrito nada de erótico) como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Jorge de Sena e Eugénio de Andrade. São muitos dos grandes nomes da poesia num único livro, todos com poemas sobre o mesmo tema e reunidos por Natália Correia, também ela uma poetisa de mão cheia. Esta edição torna-se ainda mais especial por ser ilustrada por Cruzeiro Seixas, por nos trazer um enquadramento histórico excepcional em modos de introdução e ao longo da obra várias biografias dos autores. Sem dúvida, um livro a não perder! Recomendado! 5*
A verdade sobre os avós
Elina Ellis
Dizem muita coisa sobre os avós. Dizem que eles não dançam, que são lentos e desastrados, que não são nada divertidos… mas o menino desta história não acredita! Ele sabe a verdade… Um bonito livro sobre a relação avós-netos, com ilustrações excepcionais que são a cereja no topo do bolo. Divertido, criativo e amoroso. Muito recomendado! 5*
Outrora e outros tempos
Olga Tokarczuk

Outrora é uma aldeia que fica mesmo no centro do universo. Pelo menos para quem dela faz parte. É guardada por quatro Arcanjos, um a norte, outro a sul, outro a este e outro a oeste. Há quem acredite que não há nada para lá das fronteiras desta aldeia.. os que saem apenas sonham, os que entram são inventados pela própria fronteira. A única constante é o tempo e a sua passagem, o correr das estações e o avançar da idade destes aldeões. Eu li o Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos, da mesma autora, há algum tempo e ainda hoje me lembro daquela história. Lembro-me que naquela altura a maneira como a autora escreve e a história que construiu me impactou bastante. Não esperava que esta nova leitura pudesse superar a anterior, mas a verdade é que superou. Ler este livro trouxe-me a sensação de que estava a ler algo totalmente novo – e isso é dificil, eu leio imenso! Estranhamente esta é também uma história bastante simples – uma aldeia, duas guerras e a passagem do tempo. Já li algo assim, muitas vezes. Mas este livro é diferente. Primeiro porque a autora tem um dom único para misturar o real e o irreal. Os arcanjos existem mesmo naquele mundo? Podemos dizer que sim, podemos dizer que não. Talvez seja apenas um reflexo do nosso próprio mundo com umas metáforas meio mágicas à mistura. Ou talvez seja realmente uma aldeia diferente, de outro universo onde não existe nada para lá das fronteiras desta terra, onde por acaso as fronteiras recriam alguns acontecimentos semelhantes aos que aconteceram cá. Mas o verdadeiro dom desta autora está nas personagens. Todas elas são simultâneamente simples e complexas como cada um de nós. Nós podiamos ser as personagens de Olga – e ao mesmo tempo isso seria impossível. São personagens humanas, com virtudes e defeitos, que nascem, crescem, envelhecem e morrem. Personagens que se bamboleiam na linha entre a realidade e a ficção, a loucura e a sanidade. Não precisamos de as conhecer a fundo para as conhecer a fundo. E têm, entre elas, relações complexas. Coisas que se dizem sem ser ditas. Depois, é também uma história que reflete o que de pior há na humanidade. A guerra, a morte, a fome, a violação, o abandono… todos eles fazem parte deste livro mas estão tão enredados nas próprias personagens que quase não são vistos como o tema principal. O tema é o tempo. Tudo segue, a vida continua mesmo quando não se quer. Incrível. Excepcional. Uma autora que mereceu, sem sombra de dúvida, o Prémio Nobel da Literatura. 5* Faltou apenas, na edição, um mapa de Outrora e das suas fronteiras. Senti falta disso no início da história, quando a descrição é feita. Teria sido a cereja no topo do bolo.
Inquieta
Susana Amaro Velho

Eu, e admito isto como um defeito, não tenho por hábito ler livros de autores portugueses menos conhecidos. Entretanto, e apesar de nunca antes ter ouvido falar de Susana Amaro Velho, este livro chamou-me a atenção nas novidades da wook. Não sei se foi a capa (que acho linda), se foi a sinopse, ou se foi pelo facto de a autora ser portuguesa… o certo é que assim que o vi soube que tinha que o ler. Não foi o que eu esperava e não digo isto de forma negativa. Surpreendeu-me, muito, e deixou-me a pensar. É um daqueles livros que nos deixa a pensar. Aqui conhecemos Julieta. Julieta tem o casamento perfeito, um emprego que adora e uma melhor amiga espectacular. Alguns diriam que tem uma vida perfeita. Mas no início da obra Julieta encontra-se à beira de saltar de uma ponte… É um livro que fala de amor e de obsessão. De passado e presente e da forma como o que nos aconteceu lá atrás, no passado, nos molda ainda hoje. Este é um tema que me diz muito, mas que eu não considero fácil: a forma como o nosso passado afecta o nosso presente. Este livro fala disso e fala de uma forma brilhante. Julieta é, várias vezes ao longo da história, uma personagem capaz de irritar os leitores. Ela não segue em frente! Ela está de tal forma agarrada ao passado que não aproveita o presente! Ao mesmo tempo, conseguimos compreendê-la, pelo menos até certa medida… Mas depois vem o resto. Vem o fim do livro, vem a surpresa final e vem o tema central, que esteve sempre lá mas não totalmente a descoberto. Estava lá, mas o leitor podia ou não vê-lo. A doença mental. Um livro brilhante, muito bem escrito e uma leitura que agarra afincadamente o leitor. Muito, muito recomendado! Uma autora a manter debaixo de olho. 5*
Vozes Femininas: Antologia de Escritoras Lusófonas
[Ebook Gratuito]
org. Ricardo Lourenço

Fui contactada pelo Ricardo Lourenço, criador do Projecto Adamastor e organizador desta antologia, pois conhecendo o blog ele considerou que esta seria uma leitura que eu iria gostar. E não podia estar mais certo. A Antologia Vozes Femininas reúne 13 contos de autoras lusófonas pouco conhecidas ou pouco valorizadas mas que desempenharam papéis importantíssimos na sua época. Sempre foi mais difícil uma mulher tornar-se escritora do que para um homem tornar-se escritor, quer pelas oportunidades editoriais, opiniões do público e tempo e lugar para escreverem (recomendamos sobre isso o livro Um quarto que seja seu) e isso era ainda mais notório na época em que estas autoras viveram. Eu, admito, não conhecia a maioria delas. E admito-o com pena, pois gostava de as ter conhecido há mais tempo. Os contos são belissímos! Eu ri e chorei (vá, ou quase) com estas histórias. A escrita é de mestre (em todas), o livro tem apenas 366 páginas (apenas, sim, eu achei pouquíssimo) e a antologia ainda nos dá, antes de cada conto, uma pequena e interessante biografia da autora que o escreveu. Li os treze contos e teria lido muitos mais, se os houvesse. É uma leitura que ensina, que inspira, que abre horizontes. Todas estas mulheres mereciam, sem dúvida, serem mais valorizadas e os seus textos mais lidos. Tem um tom muito lusófono, muito terra-a-terra, muito apaixonante. Sabe bem ler histórias que são tão “a nossa língua”. E em termos de estudos literários, é um livro interessantissimo! Esta obra merecia muito uma publicação em papel. Eu comprava! Muito, muito recomendado! 1000* Relembro que o ebook é gratuito! Por isso vão ler que não perdem nada, só ganham!
Sete minutos depois da meia-noite
Patrick Ness

Em Sete minutos depois da meia-noite conhecemos Conos O’Malley, um rapaz de treze anos que todas as noites tem o mesmo pesadelo e que certa noite começa a ser visitado, à 0h07m, por um monstro que é o teixo do seu jardim. Esse monstro vem para lhe contar três eestranhas histórias e, no fim, para ouvir a quarta história da boca de Conor, uma história que seja verdade. Acontece que a mãe de Conor está doente, muito doente. O pai mora na América e a avó não é uma avó muito comum. Sete minutos depois da meia-noite é um livro que pode ser considerado juvenil e jovem adulto e que fala de um tema extremamente difícil: a doença e a perda de uma mãe. É um livro que está magnificamente escrito, que tem aventuras e emoções na quantidade certa, uma história dolorosa mas bonita, de crescimento e aprendizado. E consegue fazê-la adequada para as idades dos leitores desta obra, sem se tornar fastidiosa ou desinteressante. Provavelmente, um dos melhores livros para estas idades que conheço. Muito recomendado! 5*
Capitães da Areia
Jorge Amado

Jorge Amado nasceu a 10 de agosto de 1912 em Itabuna, na Bahia e faleceu a 6 de agosto de 2001. É considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. O romance Capitães da Areia foi censurado aquando da publicação e a maioria dos exemplares da primeira edição queimados em praça pública. Nesta obra conhecemos um grupo de crianças sem casa nem família, que vagueiam pelas ruas da sua cidade e se sustentam com pequenos roubos e outras aldrabices. Temos, por exemplo, Pedro Bala, o chefe; Pirulito, o menino que quer ser padre mas precisa pecar para arranjar alimento; o Sem Pernas, o menino coxo que tudo o que queria era ter uma família; e muitos outros… Eu sabia que ia ser uma leitura comovente, mas nunca pensei que fosse tanto. Capitães da Areia poe facilmente os leitores mais desavisados a chorar. Ler sobre aquelas crianças, perceber o que sentem e o que passam é algo de terrível. Depois, claro, esta é também uma história que nos traz uma curiosa dualidade bem-mal. Os capitães fazem muita, muita coisa má. Mas poderiam eles fazer diferente, tendo em conta as suas próprias condições? Provavelmente não. A leitura é corrida, fácil. Mas a história é dura. Violência, violação, pederastia, abandono… há de tudo um pouco. E é também um livro que tem um fundo de verdade. Algumas personagens existiram mesmo, bem como o bando de crianças abandonadas. Um livro verdadeiramente brilhante, de um autor que irei com toda a certeza voltar a ler. Livro preferido! 5*