Bichos – Miguel Torga

Wook.pt - Bichos

“Ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade.”

“Suava em bica. Escorria das fontes às solas dos pés. O sol já não estava a pino. Ia caindo, agonizante, para os lados do Marão. A última dor morrera há um segundo, ou há horas, ou há semanas? Não sabia. Sabia, sim, que o sofrimento se apagara de uma vez e a deixara, como deixa o cortiço o enxame que parte. Nem um som, nem a presença duma aragem a quebrar a solidão que a cercava. Apenas num céu em fim de incêndio um mormaço cerrado.”

“Ignorância desculpável, aliás. A gente entende pouco do semelhante. Cada um de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar.”

“Mas em breve se tornou evidente que o Senhor ia ceder. Que nada podia contra aquela vontade inabalável de ser livre. Que para salvar a sua própria criação, fechava, melancolicamente, as comportas do céu.”

 

Adolfo Correia da Rocha mais conhecido pelo pseudónimo Miguel Torga, nasceu a 12 de Agosto de 1907. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.

O livro Bichos é um conjunto de 14 contos do autor que, tal como o titulo indica, são histórias sobre bichos. Nesta obra animais, homem e natureza unem-se de uma forma mágica que nos faz lembrar que nenhum pode viver sem o outro.

Li este livro de uma assentada e, quando terminei, voltei a ler. Agora estou a escrever sobre ele aqui mas acho sinceramente que depois o vou reler de novo.

Se há um livro que merece pontuação máxima é este. Os contos são curtos, fáceis de ler e tocam-nos no coração. Quem são realmente os verdadeiros bichos?

A escrita de Miguel Torga é algo que muito poucos autores conseguem fazer. Simples, complexa, cheia de metáforas magnificas e inspiradoras. As histórias, mesmo aquelas que mais humanificam os bichos, cravam-nos os pés na terra. São reais, pálpaveis.

Sabem ao interior do país, lembram-me o meu alentejo com as suas searas infindáveis e o seu calor escaldante. Sabem às velhas histórias que os meus avós me contavam, às noites frias em redor da lareira, à mesa posta não com o que se quer mas com o que se consegue. Têm o tom de voz do povo, a frescura da água das suas fontes. Por cada releitura uma história diferente, lê-se quase tanto nas entrelinhas como nas linhas. O dito e o não-dito, o que lemos, o que sentimos e o que não lemos mas sabemos que também está lá escrito.

Já sem falar no prefácio, que é nada mais nada menos que uma mensagem do autor directamente para o leitor. Aqui sentimo-nos logo acolhidos, compreendidos, abraçados. Uma mensagem linda, e olhem que eu nem gosto de prefácios. Mas abro uma excepção para este.

 Este é um livro repleto de humildade. E humanidade. E bichos.

Apaixonei-me por cada um dos “bichos” deste livro, sem excepção. Alguns mais polémicos, outros nem tanto. Mas cada qual com as suas próprias histórias e dores. E tão reais…

Um livro excelente, muito recomendado!

Livro na Wook

4 comments

  1. Este foi um dos primeiros livros que li, pois era de leitura obrigatória no 7º ano. Recordo-me que gostei e até hoje ficou na minha memória o Vicente, um corvo que desafia Deus, sendo o conto uma metáfora e Vicente a representação do Homem, simultaneamente, Torga confessava a sua não crença em Deus.

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