Se Isto é um Homem – Primo Levi

“Isto é o Inferno. Hoje, nos nossos dias, o Inferno deve ser assim, um local grande e vazio, e nós, cansados de estar de pé, com uma torneira a pingar água que não se pode beber, esperamos algo sem dúvida terrível e nada acontece e continua a não acontecer nada.”

“Os dias são todos iguais e não é fácil contá-los. Desde há não sei quantos dias que nos deslocamos aos pares, entre o caminho-de-ferro e o armazém: uma centena de metros de solo em degelo. Carregados à ida, de braços caídos à volta, sem falar. Em redor, tudo nos é hostil. Sobre nós, as nuvens adversas atropelam-se, para nos separar do Sol; somos apertados por todos os lados pela esqualidez atormentada do ferro. Nunca vimos os seus limites, mas sentimos, à nossa volta, a presença maligna do arame farpado que nos segrega do mundo. E nos andaimes, nos comboios em manobra, nas escavações, nos escritórios, homens e mais homens, escravos e patrões, os patrões eles próprios escravos; uns empurrados pelo medo, os outros pelo ódio, todas as outras forças emudeceram. Todos são nossos inimigos ou nossos rivais.”

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Em Se Isto é o Homem conhecemos o testemunho de Primo Levi, um químico italiano, que foi prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz. Vemos o dia a dia no campo, de uma forma real, sem falsos moralismos ou meias verdades.

Este é um livro diferente. Não é um romance histórico escrito sobre alguém que nunca viveu aquela realidade. É um testemunho de alguém que sentiu a fome e o frio que os prisioneiros sentiam, de alguém que viveu entre o arame farpado do campo e que levou pancada dos guardas.

Não vou dizer que este é um livro fácil de ler, porque não é. É um livro de leitura demorada, um livro que pesa em cada palavra, um livro para levar os seu tempo, apesar e nem ser um livro muito grande. E isso nem é porque não esteja bem escrito, pelo contrário: o livro está genialmente escrito.

Mas não é uma escrita de romance água com açúcar. E para além disso, é um livro com uma história muito, muito pesada. Uma história de fome, frio, morte, doença e incerteza, que nos fala sobre o que há de pior na raça humana. Livre de sentimentalismos.

O que custa a crer é que foi real. Aconteceu mesmo. E agora, ao fim de todo este tempo, o que sabemos nós sobre isso? Nada. Que sabemos nós sobre as chagas de caminhar em tamancos de madeira no meio do gelo? Ou da fome que faz sonhar de noite com comida? Ou da sede de quem não bebe há quatro dias? Nada.

Nós podemos ler, ver filmes e estudar o que se passou. Mas não o sentimos e ainda bem. Ninguém, nunca, devia ter de passar por isso.

Livro muito, muito recomendado!

 

2 comments

  1. Eu já li “Se Isto é Um Homem” por duas vezes e concordo quando dizes que é um livro pesado, assim como outros sobre o Holocausto, mas sabes o que me incomoda e tu tocas nisso quando afirmas: “O que custa a crer é que foi real. Aconteceu mesmo. E agora, ao fim de todo este tempo, o que sabemos nós sobre isso? Nada. Que sabemos nós sobre as chagas de caminhar em tamancos de madeira no meio do gelo? Ou da fome que faz sonhar de noite com comida? Ou da sede de quem não bebe há quatro dias? Nada.”

    O que me incomoda é que já se passaram 80 anos sobre o holocausto nazi e que o Ser Humano actual já olha para isso como muita distância, como se se tivesse tratado de um filme. Ou seja, se analisarmos a História, constatamos que não foi a primeira vez que existiu um genocídio desse género, a História está cheia de casos destes, e o que o Ser Humano tem aprendido? NADA!

    Por isso o que sucedeu em 1940-1945 vai CERTAMENTE repetir-se no futuro, é apenas uma questão de tempo, porque o Ser Humano esquece muito facilmente e tem um defeito brutal, não aprende com a História e repete os mesmos erros vezes sem conta porque a sua essência é perfida.

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    • É verdade Miguel, infelizmente não podia estar mais de acordo contigo. A ligeireza com que hoje em dia se fala disso já mostra que as pessoas não compreendem totalmente o que aconteceu e que foi real. É como aquela polémica das fotos que se tiravam nos monumentos ao holocausto, viste? Exactamente o mesmo. Sem compreender, sem lembrar.

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