Celebra-se hoje, a 21 de março, o Dia Mundial da Poesia. Não costumo deixar passar este dia em branco, porque a poesia é algo de que gosto imenso. Podem ver posts que fizemos neste dia, em outros anos, neste link.
Entretanto, pensei bastante sobre o que iria fazer neste Dia Mundial da Poesia. E resolvi-me a trazer, em vez do esperado post sobre poetas famosos, um pouco da minha própria poesia. Tudo porque tenho uma madrinha de coração (e de casamento) incrível, que apesar de não gostar de poesia, gosta de poesia.
Cadeiras vazias
Que poesia se esconde
por trás de um copo partido?
Qual é o verso onde se mata
a saudade de um amigo?
Que palavras poemas
nos contam o negro dos dias?
E as coisas belas e pequenas
que nos teus sonhos escondias?
Que poesia nos traz
a verdade sobre nós?
Que amarras pode romper
a poesia da tua voz?
As cadeiras estão vazias
As violas sem tocar
Os amigos foram-se embora
para não mais voltar
Não há versos que os devolvam
Não há forma de os beijar
Não há horas que os socorram
neste poema de naufragar
Que poesia se esconde
por trás das fotos antigas?
Qual é o verso para ouvir
velhas vozes amigas?
Há uma dor que permanece
nos versos deste pesar
Há uma dor que não se esquece
quando vemos um amigo acabar
Que poesia se esconde
por trás de um amigo perdido?
Que versos nos salvaram
de ir ter contigo?
O amor
O amor
são duas solidões que se desencantam
com o barco no rio
e juntas atravessam a nado
em tempo frio
O amor
são duas solidões que se encontram
na esquina da casa abandonada
e juntas constroem o palácio
da madrugada
Do amor
sabemos o bater do coração assustado,
sentimos o cheiro do ser amado,
alimenta-nos a sua presença a nosso lado
O amor,
que nos ilumina o tempo de escuridão,
que prende o dia na nossa mão,
que nos dá coragem para enfrentar a multidão
O amor
são duas solidões terminadas
que se encontram em esquinas apertadas
para nadar contra a correnteza
E sem navio
o amor segue fio a fio
rumo a um destino tardio
e desconhecido
Poema de amor
Quero escrever-te um poema de amor
mas não consigo.
Era muito mais útil, simplesmente,
ter-te aqui comigo.
Mão na mão para largar a caneta,
olho no olho a evitar o papel,
e no teu abraço poder escrever
a canção da nossa pele
Quero escrever-te um poema de amor
mas é impossível
(não há palavras para escrever
o indizível)
Não sei soletrar a distância
da separação,
nem posso explicar a circunstância
desta canção…
Quero escrever-te um poema de amor
puro e banal,
aquele amor que nos faz crer
que o bem vence sempre o mal
Mas não quero iludir
as nossas vidas,
para depois estarmos no escuro
sem ver saídas
Quero escrever-te um poema de amor
mas dos honestos,
um que nos lembre que também teremos
tempos infestos,
um que nos diga que nem sempre
vai vencer a razão
e que amar é recomeçar
após cada senão
Quero escrever-te um poema de amor
sem te mentir.
Um poema que te lembre que amar
é não desistir.
Uma rima capaz de te dar
o tempo preciso
quando apenas quiseres respirar
antes do riso
No meu poema virá a canção,
a melodia
que nos inspirou a crer
que este amor existia.
Virá a promessa, o rumo,
o desejo e a paixão.
Nele direi que sou tua
mesmo dentro do caixão
Mas virá também a lembrança
do dia ruim,
para te lembrar que o amor
também tem dias assim.
Para te dizer que amar
é sempre insistir,
perdoar e recomeçar,
pedir desculpa e assumir
Quero escrever-te um poema de amor
e hei-de escrever,
mas agora só quero amar
o quanto apetecer.
E enquanto a sinceridade
for a nossa canção
este poema de amor será conclusão
Poema dos amigos mortos
Derrama da veia sem ter um final,
o sangue escasseia,
o amigo está mal.
Escorre do corpo que jaz lá na treva
Um amigo está morto já longe da terra
Da corda pende a sua solidão,
um amigo está morto
pela sua mão
Da ponte mais alta saltou sem futuro
Um amigo morreu por cima do muro
De noite, sozinho,
em plena escuridão,
um amigo foi morto
pela vossa opinião
Um amigo está morto,
assassinado sem perdão
Derrama da veia sem ter um final,
o sangue escasseia,
o amigo está mal.
Criado sem paz numa velha fé,
o amigo morreu
pelo pecado que é.
A arma caiu silenciosa no chão,
o amigo está morto
por sua decisão
Um, dois, três, quatro,
cinco, vinte ou cem
Não há amigos que nos cheguem
para tanto desdém
Derrama da veia sem ter um final,
o sangue escasseia
mas a cor é igual
Vestido
Não contes o segredo
do nosso confiar
Não fales do vestido
que te quero tirar
Não murmures as palavras
do nosso amor
Não deixes que saibam
o motivo do torpor
Quando sussurro baixinho
com a minha voz
O nome que te deram
e a palavra nós
Não fales do vestido
que te quero tirar
Nem do que faço contigo
quando ninguém está a olhar
Não contes o segredo
do que fazemos a sós
Deixa que só suponham
o que fazemos nós
Não lhes digas a verdade,
não os deixes saber
O que dizemos em segredo,
nos momentos de prazer
Não contes o nosso amor,
não os deixes dispor
Da nossa emoção,
do nosso calor
Não contes do vestido
que me queres tirar
Nem do que fazes comigo
quando ninguém está a olhar
Não os deixes saber,
nem pensar sequer
O que podem fazer
mulher com mulher
Não contes a verdade,
não fales do momento
Deixa que não saibam
nem em pensamento
Não contes da mão
que te percorre o corpo
Deixa que ignorem
como alcançamos o porto
Não fales do vestido
que te quero tirar
Nem do que fazemos juntas
quando ninguém está a olhar
Não fales do tempo
que passamos a sós
Nem do som do meu nome
na tua voz
Não contes da minha mão
sobre o teu seio
Nem do que fazemos
meio a meio
Eles não conseguem saber
nem imaginar sequer
O que podem ser
mulher com mulher
Poemas de Anabela Risso