
“O que eu digo aos meus pacientes é isto: coloque-se do lado dos perdedores, insistiu. Dos que não sobreviveram. Habitue-se à ideia da morte. Toda a vida que lhe restar será a tal dádiva que choveu do céu. Tirou os óculos e respirou fundo, um suspiro tristíssimo. Como dizia o tal cro-magnon: prognósticos, só no fim do jogo.”
“Acredito que o que procuramos nos livros não é a explicação do mundo, nem esse entidade ilusória chamada «verdade», mas alguém que partilhe do nosso sofrimento, que nos conte a nossa própria história. Não é por acaso que a mitologia cristã se funda na dor – Cristo, o mártir na cruz; a longuíssima agonia de Maria, da profecia de Simeão ao enterro do filho por José de Arimateia. É uma história, e toca naquilo que de mais sensível existe em nós: a nossa agonia, o nosso martirio privado.”

João Tordo nasceu a 28 de agosto de 1975 em Lisboa. Venceu o Prémio Literário José Saramago e foi finalista dos Prémio Portugal Telecom, melhor Livro de Ficção Narrativa da Sociedade Portuguesa de Autores (2011, 2015), Prémio Literário Fernando Namora (2011, 2012, 2015, 2016), do Prémio Literário Europeu, do Prémio P.E.N. Clube e do Prémio Oceanos.
Em Naufrágio conhecemos a história de Jaime Toledo, um romancista caído em desgraça por dois grandes motivos: um cancro na bexiga e a acusação, por parte de várias mulheres, de assédio sexual.
Este é um livro que tem tudo para ser um livro polémico. Primeiro, porque fala de um tema que está na ordem do dia: o assédio e o movimento #metoo. Depois, porque o narrador da história é o assediador e não a vitima.
Foi uma leitura que me surpreendeu. A partir do momento em que percebi o tema e quem era o narrador, fiquei à espera de odiar aquela personagem. Mas a verdade é que isso não aconteceu. Jaime Toledo é um homem caído em desgraça, sozinho e incrívelmente humano, com um lado bom e um lado mau. E ele próprio está apenas a aprender a lidar com isso, um pouco como todos nós. Não é, simultâneamente, uma personagem que me apaixone, que queira defender ou salvar. Ele cometeu erros, crimes. Merecia pagar por isso. E até certo ponto, ele paga: os seus livros são retirados do mercado e ele dá por si sozinho, pobre e meio louco. Fosse ele como o pintor Rafael, outra personagem da história, e sem dúvida que seria odiado.
Depois, temos o final do livro, que eu pessoalmente achei brilhante. A narrativa caminhou sempre no mesmo sentido e, de repente, temos a surpresa final. Surpreendeu-me. Não estava sequer à espera de uma surpresa, quanto mais daquela. Se calhar até esteve sempre lá e eu é que estava distraída…
Muito recomendado! 5*