“O incómodo de ter acordado permanecia. O incómodo de ter sonhado. Num sonho que continuava depois do momento em que acordou, tinha-se visto velha. Os seus cabelos eram brancos e secos, eram velhos e mortos. Eram cabelos mortos e cinzentos e sujos. A sua pele era muito velha porque era muito mole. O seu rosto era velho. Segurou o pedaço de espelho entre os dedos e, naquela superfície onde não cabia mais do que o olhar de um dos olhos, viu o reflexo da sua pele lisa, dos seus lábios, dos seus cabelos longos e castanhos. Passou os dedos pelos cabelos. Por um instante, sentiu-se descansada. Por um instante, sentiu-se aliviada. A mãe chamava-a da cozinha.”

José Luís Peixoto nasceu em Galveias a 4 de setembro de 1974. É poeta e dramaturgo e um dos escritores portugueses mais reconhecidos da atualidade.
Em Cal Peixoto traz-nos uma antologia com contos, poemas e teatro sobre… a velhice. Uma velhice maioritariamente solidária, maioritariamente de meios pequenos, repleta de saudades e sonhos perdidos. É um livro complexo, que quase nos custa a crer que foi escrito por alguém tão novo. Em Cal Peixoto mostra claramente que tem o dom da empatia. O autor consegue ver o que “os velhos” vêem, sentir o que sentem, compreender os seus medos e angústias, as suas saudades e sonhos.
É um livro bonito, sem dúvida. E com uma certa dose de tristeza também, a tristeza habitual que nos traz a ideia da velhice. Leva-nos de volta à ruralidade de Portugal, às origens de muitos de nós, e dá-nos um pouco do sabor que tem o lar, mas sempre sob o prisma da velhice.
Bonito. Recomendado. 4*