O Filho de Mil Homens – Valter Hugo Mãe

O filho de mil homens - Livro - WOOK

Livro Físico

“As raparigas tinham uma ferida que nunca curariam. Estaria para sempre exposta, e por ela sofreriam eternamente. Os homens haveriam de investir sobre essa ferida de modo cruel para que nunca pudesse sarar. A Isaura não sabia ainda que era para que sofresse que lhe calhara ser mulher. Talvez, com sorte, pudesse ser um pouco feliz antes de morrer. Mas apenas um pouco e com muita sorte. A Maria dizia que isso não sucedia a todas. Apenas às mais merecedoras e espertas. Porque facilmente um erro estragaria tudo. O amor, dizia ela, estraga-se.”

“Ela perguntou: o boneco tem nome. Ele respondeu: não. Ela disse: que sorte, assim não precisa de ser ninguém. Quem não é ninguém não lhe falta nada. Nem lhe falta o amor, nem espera por nada.”

“O velho Alfredo, com tanto amor pelos livros e pelo exercício mental que curaria o colesterol e muito tecto de casa com vontade de cair, ensinou ao neto que o amor era todo da família ou dos homens com as mulheres. Como se os maricas não fossem familiares, não fossem nascidos de pai e mãe, não pertencessem a ninguém.”

Valter Hugo Mãe
Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe, pseudónimo de Valter Hugo Lemos, é um escritor, editor, artista plástico, apresentador de televisão e cantor português. Nasceu em Angola em 25 de setembro de 1971 e já venceu o Prémio Oceanos e o Prémio Portugal Telecom. É um dos mais reconhecidos escritores portugueses da atualidade.

Em O filho de mil homens conhecemos Crisóstomo, um pescador solitário de 40 anos que tudo o que mais quer é ter um filho; Casimiro, um orfão por duas vezes, filho de 15 pais, que tudo o que quer é ter uma família e poder estudar; Isaura, a mulher que começa a encolher depois de se ver rejeitada; a anã que tudo o que quer é ser uma mulher como as outras e ter um homem com quem dividir a cama e a vida; Antonino, um gay que queria mesmo era não querer o que quer; e muitos mais…

O filho de mil homens é um livro com muitas personagens, que têm entre si uma coisa em comum: a necessidade de amor e aceitação. Não é uma história que se deva ler de uma assentada. Merece ser mastigada, digerida, compreendida. É belíssima a forma como fala do amor nas suas facetas mais reais, das injustiças da vida e da sociedade de forma crua e poética e como nos traz personagens que são ao mesmo tempo caricatas e simultâneamente iguais a nós. É um daqueles livros que tem poesia em cada frase e que ainda assim consegue deixar o leitor com um aperto no estômago e outro no coração.

É um livro sobre ser humano, sobre os seres humanos, e todas as nossas dores, medos e necessidades no que elas têm de mais primitivo e mais belo. Escrito de uma maneira magistral, visitando ora uma personagem ora outra, pode ser confuso se não for lido com a devida atenção. Mas merece toda a atenção que possam dispensar! As histórias das diferentes personagens vão-se cruzando aos poucos de forma maravilhosa e surpreendente, coerente, sem deixar pontas soltas nem desvendar demasiado de uma única assentada. O leitor fica agarrado do início ao fim e pode até, quem sabe, soltar uma ou outra lágrima.

Revoltante por vezes, comovente quase sempre. Dorido, mas lindíssimo.

Muito recomendado! 5*

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