Hoje trago-vos um Top 10 das minhas leituras de 2020. Os preferidos do ano (sem ordem especifica). É cedo, mas não me parece que ainda vá ler algo capaz de superar estas obras. Parece-vos bem?
O Monte dos Vendavais – Emily Brontë
“Os meus grandes tormentos neste mundo têm sido os tormentos de Heathcliff, e eu observei e senti cada um deles desde o princípio; o meu grande pensamento na vida é ele. Se tudo o mais desaparecesse e ele permanecesse, eu continuaria a existir; e se tudo o mais permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia um imenso desconhecido. Eu não pareceria uma parte dele. O meu amor por Linton é como a folhagem das florestas. O tempo há-e mudá-lo, tenho perfeita consciência disso, como o Inverno muda as árvores. O meu amor por Heathcliff assemelha-se às rochas eternas que existem por baixo: uma fonte de puro deleite visível, mas necessárias.”
Um livros que me causou uma imensa dualidade de sentimentos, que adorei e odiei ao mesmo tempo. Mas que no fim adorei muito mais do que odiei. Em O Monte dos Vendavais conhecemos a história de Heathcliff e Catherine e das suas famílias. Encontrado abandonado pelo pai de Catherine quando ainda era uma criança Heathcliff é levado para a casa da família e lá é criado, mas nunca chega a ser tratado realmente como um dos seus membros. Ostracizado por Hindley, irmão de Catherine, tratado muitas vezes como um empregado, o verdadeiro pesadelo de Heathcliff começa quando a família de Catherine conhece a família de Linton, que logo se apaixona por ela. Eu já tinha lido várias opiniões sobre este livro e, por isso, não posso dizer que não conhecesse a história. Ainda assim, fiquei imensamente surpreendida. Sabia que ia ser um livro um tanto ou quanto mórbido, com uma história dramática e fora do comum. Mas superou em muito todas as minhas expectativas. Se no início me senti tentada a simpatizar com Heathcliff, a verdade é que a partir de determinado momento ele se transformou numa das personagens literárias mais odiosas que já conheci. Se teve razões para se tornar numa pessoa amarga e vingativa? Sim. Mas podia perfeitamente não o ter feito. E a falta de escrúpulos que ele alcança foi algo que me impressionou bastante. Muito se fala, quando se fala nesta obra, do momento em que ele pede ao coveiro para partir um dos lados do caixão de Catherine e um dos lados do seu, quando ele morrer, para poderem ficar lado a lado. Soa horrível mas a verdade é que para mim isso esteve muito longe de ser a pior coisa que ele fez. Não posso dizer que não tenha gostado desta leitura. Adorei, para dizer a verdade. A história é inebriante, a leitura é corrida, as sensações que nos dá são intensas. Mas percebo perfeitamente que esta não é uma obra capaz de agradar a qualquer pessoa. É uma obra pesada, quase surreal. Não existe mundo nesta história além daquele que esta dentro de uma daquelas duas casas, ou no caminho entre elas. Não existe uma normalidade e há coisas que nunca chegamos a saber. Afinal, como foi que Heathcliff enriqueceu? Por onde andou? Tentei criar empatia com Heathcliff, tentei compreender a primeira Catherine e, mais tarde, fiz as mesmas tentativas com as personagens que os seguem. De pouco adiantou. Heathcliff transformou-se oficialmente na personagem literária que eu mais detesto, se é que podemos detestar assim alguém que não existe realmente. E, apesar de tudo isto, este transformou-se estranhamente num dos meus livros preferidos. Tenho para mim que não é qualquer livro que nos causa sensações tão intensas. Livro recomendado! Ou talvez não… 5*
O Azul é uma Cor Quente – Julie Maroh
“Emma… perguntaste-me se eu acreditava que o amor eterno existe. O amor é qualquer coisa muito abstrata e indiscernível. É dependente da nossa percepção e vivido por nós. Se nós não existíssemos, ele não existiria. E nós mudamos tanto… Portanto, o amor não pode deixar de ser também assim. […] O amor incendeia-se trespassa, magoa-se, magoa-nos, reacende-se… reacende-nos. O amor talvez não seja eterno, mas a nós, torna-nos eternos…”
O Azul é uma Cor Quente é um livro de banda desenhada que já foi publicado em mais de 15 línguas e que nos conta a história de Emma e Cleméntine. Cleméntine tem 15 anos quando um dia se cruza na rua com uma rapariga de cabelo azul, Emma. É amor à primeira vista. Mas isso vai mudar completamente a vida de Cleméntine. Afinal, Emma é uma mulher e ela também… O Azul é uma Cor Quente é um livro de uma sensibilidade extraordinária, tocante, maravilhoso, doce e…triste. É um livro sobre a força e o poder do amor, nas suas diferentes formas e sobre as dificuldades que muitas vezes ele enfrenta. É um livro sobre aceitação, sobre auto-aceitação e sobre saber respeitar o outro. Há uns anos tentei ver o filme e devo admitir que o achei extremamente parado. Mas o livro não é assim, agarra-nos, vicia-nos, envolve-nos. Eu tenho dito várias vezes aqui pelo blog que não sou grande fã de banda desenhada. É possível, digo eu agora, que este tenha sido o livro que me convenceu do contrário. Entrou diretamente para a minha lista de preferidos e consegui realmente ver uma outra dimensão neste livro. A forma como as imagens contam a história que as palavras não contam. Acontece muito com livros infantis, e provavelmente também é comum com as Bd’s, mas admito que nunca me tinha atingido tanto como nesta obra. As imagens sem texto e a maneira como determinada cor é ou não usada numas partes e noutras não mas toda a diferença nesta história. São sentimentos. Um livro maravilhoso! 5* Imensamente recomendado!
O Velho e o Mar – Thierry Murat
Thierry Murat nasceu a 31 de Janeiro de 1966 em Périgueux na França. O Velho e o Mar de Thierry Murat é uma adaptação livre do romance O Velho e o Mar de Ernest Hemingway para banda desenhada. Podem ver o que dissemos sobre o livro original neste post. Sendo uma adaptação livre é óbvio que o texto terá diferenças notórias. Eu tenho de admitir que o texto nesta adaptação me conquistou tanto ou mais que o texto original. Soa mais comovente, mais tocante, sente-se uma maior intimidade entre personagens, mesmo que essa intimidade também já fosse grande na versão original. É um texto realmente muito bonito e as ilustrações então são verdadeiras obras de arte, maravilhosas. Thierry Murat soube, sem dúvida, revelar apenas o que devia ser revelado. Nem de mais, nem de menos. E as cores e as linhas, tudo combina para que este livro seja inesquecivel. Eu admito que nunca fui uma fã de banda desenhada. Comecei a ler algumas obras há pouco tenho e tenho andado a tentar perceber o que gosto ou não. Mas ainda nenhum me tinha conquistado como este, que me roubou o coração. Acho que posso dizer que este livro sim, me tornou uma verdadeira fã de banda desenhada. Agora já não largo este género. Fantástico, lindissímo, imensamente recomendado. Cinco estrelas! (por extenso e tudo!)
Noite – Elie Wiesel
“Nunca esquecerei aquela noite, a primeira noite no campo, que fez da minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada. Nunca esquecerei aquele fumo. Nunca esquecerei os pequeninos rostos das crianças cujos corpos eu vi transformarem-se em espirais sob um céu mudo. Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram para sempre a minha Fé. Nunca esquecerei aquele silêncio nocturno que me privou, para a eternidade, do desejo de viver. Nunca esquecerei aqueles momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e que transformaram os meus sonhos em cinzas. Nunca esquecerei, mesmo que tenha sido condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus.
Nunca.”
Elias “Elie” Wiesel nasceu em Sighetu Marmaţiei na Roménia a 30 de Setembro de 1928 e faleceu em Manhattan a 2 de Julho de 2016. Foi um escritor judeu, sobrevivente dos campos de concentração nazis, que recebeu o Nobel da Paz de 1986 pelo conjunto de sua obra literária, dedicada a resgatar a memória do holocausto e a defender outros grupos vítimas das perseguições. Elie era ainda um adolescente quando a sua família foi enviada para os terríveis campos de concentração da segunda grande guerra. Este é o relato dele, desde os tempos antes da guerra e da forte fé que ele alimentava na altura, à partida da família e a sua consequente separação na selecção do campo e, mais tarde, ao desaparecimento da sua fé devido a todas as crueldades a que assistiu e à perda da sua família. Dizem que este é um dos relatos mais comoventes sobre esta época. Eu acredito. É, pelo menos, um dos mais comoventes que eu já li. A perda da inocência de Wiesel, o duro choque com a realidade, a mudança de uma vida perfeitamente comum para uma vida extremamente trágica é apenas o primeiro choque com que o leitor se depara. Depois, as crueldades vistas pelos olhos de Wiesel, indescritíveis e ainda assim tão bem descritas nesta obra. O desaparecimento de uma fé que parecia tão forte nele, ao leitor parece perfeitamente aceitável, e é. E quando pensamos que as coisas vão começar a correr bem, chega um novo choque, e mais outro… É um livro curto mas que diz imenso em muito poucas páginas. Poucos livros conseguem isso. É um livro que nos dá um nó no estômago, na consciência, na alma. Um livro que nos conta coisas abomináveis que aconteceram como se fossem perfeitamente normais. É uma obra muito bem escrita, mas difícil de ler. Dura, cruel, realista. Forte. Sem dúvida um dos melhores livros que já vi sobre o tema. Livro recomendado!
A Verdade sobre o Caso Harry Quebert
Joël Dicker

“Há pessoas que julgam amar-se e, então, casam-se. E depois, um dia, sem querer, sem se aperceberem, descobrem o amor. E sentem-se fulminadas. Naquele momento, é como se o hidrogénio entrasse em contacto com o ar: uma explosão fenomenal que devasta tudo. Trinta anos de casamento frustrado destruído num ápice, como se uma gigantesca fossa séptica levada à ebulição explodisse, salpicando tudo à sua volta.”
No verão de 1975 algo de terrível acontece na pacata cidade de Aurora: Nola, uma jovem de 15 anos, desaparece sem deixar rasto. Trinta e três anos depois o seu corpo é descoberto, enterrado no quintal do famoso escritor Harry Quebert, que rapidamente é preso e se torna no principal suspeito da morte da jovem. É então que Marcus Goldman, também escritor, regressa a Aurora, para ajudar a repor a verdade e inocentar o seu velho amigo. Mas será Harry assim tão inocente? Há bastante tempo que eu tinha vontade de ler este livro, mas a verdade é que ele era tão falado e havia tanto marketing em volta dele que eu ficava de pé atrás. Por vezes, quando isso acontece, a leitura acaba por se revelar uma verdadeira desilusão. Mas não foi, de todo, o que aconteceu aqui. A verdade sobre o caso Harry Quebert é um livro bem grande, com as suas quase 700 páginas. Por isso a leitura acaba por estender-se durante algum tempo. Ainda assim, quando termina, damos por nós a não querer que tivesse terminado. Isso só pode significar que é um livro bom, não é?! É um livro bem escrito, com personagens realistas e com que o leitor empatiza facilmente. Tem imensas personagens o que faz com que o caso se prolongue e traz várias reviravoltas inesperadas e emocionantes à história. É uma história tremendamente complexa e é incrível a maneira como o autor conseguiu escrever tudo aquilo e não deixar pontas soltas. Eu, pelo menos, não encontrei nenhuma. E para além do caso policial existe ainda, como pano de fundo, o processo criativo dos escritores o que, na minha opinião, é um toque maravilhoso para a história. E é, também, um livro profundo. É claro que não consegui desvendar quem era o criminoso antes de isso ser claramente dito na história. Também há outras surpresas que nos deixam de queixo caído perto do final, embora aí eu já tivesse desconfiado de qualquer coisa. Sem dúvida um livro que vale muito, muito a pena. Vou ler mais deste autor! Muito recomendado! 5*
A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
“O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicilio. É preciso ir atrás dele.”
“O Julián escreveu uma vez que os acasos são as cicatrizes do destino. Não há acasos, Daniel. Somos títeres da nossa inconsciência.”
Em A Sombra do Vento conhecemos Daniel, um adolescente órfão de mãe que trabalha com o pai numa pequena livraria. Certa noite o pai leva-o e mostra-lhe um local secreto: o cemitério dos livros esquecidos. Daniel é então autorizado a levar um dos livros daquele lugar e escolhe A Sombra do Vento de Julian Carax. Mas muitos mistérios cercam aquele livro e aos poucos Daniel vê-se envolvido uma teia de mentiras e descobertas. É difícil decidir por onde começar a falar sobre A Sombra do Vento. É uma história complexa, que além de nos envolver no mundo mágico dos livros também fala de outros temas bastante polémicos. É uma história bem construída com uma reviravolta chocante embora esperada, uma história que agarra o leitor até ao fim. As personagens são carismáticas e complexas, humanas, com tudo o que isso tem de bom e mau. Algumas dão-nos arrepios, outras dão-nos vontade de as abanar e gritar-lhes aos ouvidos “Não faças isso!”, outras gostávamos de poder proteger. Todas têm uma história bem construída e estão longe da perfeição, o que só as torna mais reais. A história tem imensas nuances e pormenores interessantes, e admito que quando comecei a ler estava muito longe de imaginar que a história iria ser o que foi. É sem dúvida um livro marcante e envolvente, com um toque de fantástico. Um livro memorável! 5* Muito recomendado!
Nos Mares do Fim do Mundo – Bernardo Santareno
“Serei capaz? São mil e tantos homens entregues aos meus cuidados, confiantes na minha proficiência médica… Estarei eu preparado para tal? Terei ue me habituar a decidir, rápida e eficazmente, nos casos de urgência: serei capaz? Sou tão doentiamente indeciso! Sinto a vontade anestesiada pela penumbra tépida dos cinemas, envenenada pelo aromas das rosas nocturnas de sombra, desgrenhada pelo desespero agudo de tantas horas amarelas e inúteis… Tenho que me endurecer: habituar-me a morder os «talvez» e os «depois se verá»; mudar saliências redondas em ângulos acerados; fazer de curvas insinuadas e subtis, rectas simples e firmes, tensas de energia!..”
*Livro adquirido através do projecto Livraria às Cegas, que podem conhecer aqui.
António Martinho do Rosário (que assumiu o pseudónimo literário de Bernardo Santareno) nasceu a 19 de Novembro de 1920, em Santarém, no Ribatejo e faleceu em Oeiras a 29 de Agosto de 1980. Foi escritor e dramaturgo. Esta obra, Nos Mares do Fim do Mundo, são os desabafos dele, a maior parte escritos durante tempo em que navegou no “David Melgueiro” como médico dos pescadores. Em jeito de diário e desabafo, este é um livro muito sincero sobre os seus medos e dúvidas. Conta-nos os acontecimentos a bordo do “David Melgueiro”, sempre sob o olhar daquele médico pouco habituado a navegações. É um livro muito sincero e apaixonante, daqueles onde cada palavra tem poesia sem, no entanto, deixar de mostrar a dureza daqueles dias sem terra à vista. É difícil não adorar um parágrafo que seja, de tão mágicos que são. O temor do mar, senhor do seu domínio, e ao mesmo tempo a admiração que tinha por ele e por aqueles bravos homens que o enfrentam é um ponto assente ao longo de toda a obra. Este é um daqueles livros comoventes, que nos lembra realmente o que é ser português, que nos recorda as angústias dos homens do nosso país à beira mar plantado. Pode ser duro em algumas partes, mesmo que disfarçado sob as palavras poéticas de Bernardo. Atrevo-me a dizer que este livro merecia mais reconhecimento do que aquele que tem. É sem dúvida um livro que entrou para a minha lista de preferidos. Quem me conhece sabe que adoro Miguel Torga e a escrita de Bernardo Santareno fez-me lembrar dele muitas vezes. É uma escrita incrustada de poesia. Como Torga fala da terra e dos seus, Santareno fala do mar e dos que o enfrentam. Destaque ainda para esta edição da E-Primatur, que é linda e muito completa. Livro muito recomendado! 5*
Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos
Olga Tokarczuk

“Foi a última vez que a vi. Chamei-a, zangada por me ter deixado enganar tão facilmente e por ser impotente face aos estranhos mecanismos da escravidão. Comecei a calçar-me e senti que aquela manhã cinzenta e assustadora me aterrorizava. Às vezes, tenho a impressão de que vivemos num grande e vasto sepulcro, com muitas pessoas. Olhei para o mundo submerso numa Escuridão cinzenta, fria e desagradável. A prisão não está no exterior e, sim, no interior de cada um de nós. É possível que não saibamos viver sem ela.”
Olga Tukarczuk nasceu a 29 de Janeiro de 1962 em Sulechów, na Polónia. Formada em psicologia, venceu em 2018 o prémio Man Booker Internacional e o Prémio Nobel da Literatura. Em Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos conhecemos a história de Janina Duszejko, uma velha senhora que vive numa aldeia isolada na Polónia. Amante da solidão e dos animais, Janina é astróloga, professora, encarregada de várias das casas da aldeia e tem uma estranha fixação por alcunhas. Tudo parecia calmo e normal naquela pequena terra, até que alguns caçadores começam a aparecer misteriosamente mortos. Janina, excêntrica e imprevisível, defende que são os animais que os matam, como vingança por todo o mal que eles fizeram. Mas será mesmo possível? Quem lê muito, como eu, pode por vezes pegar numa nova leitura e acabar a sentir que está só a “ler mais do mesmo”, mais uma história igual a tantas outras, mais um clichê. Se há coisa que não acontece com esse livro, de todo, é essa sensação. O Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos é um livro totalmente fora da caixa (pelo menos eu nunca tinha lido nada parecido), que nos surpreende aos poucos. Não vou dizer que é uma leitura leve, fácil e corrida, porque não é. Mas também, diria eu, não é isso que se espera ler quando se começa a ler um prémio nobel. Janina é uma senhora idosa e a escrita de Olga conta a sua história exatamente como eu imaginaria que uma senhora idosa contasse a sua história: lenta e pausadamente, com toda a calma que a idade traz. Ainda assim não se torna enfadonho nem demasiado monótono. É um ritmo continuo e cadenciado, quase, diria eu, como se a autora nos embalasse na sua escrita. Quanto à história, tenho a dizer que me agarrou. Dizer que Janina é excêntrica é dizer pouco. Ela faz horóscopos, mapas astrais e prevê a data das mortes das pessoas. Defende que os assassinos são os animais, que os animais decidiram vingar-se e consegue ainda convencer algumas personagens da sua teoria. A dado momento, dei comigo também a tentar acreditar na sua teoria. Se tem razão ou não, isso vão ter de ler para saber… É um livro verdadeiramente bom, com uma história diferente e que nos traz nas entrelinhas uma ou outra verdade dura que nem todos queremos ouvir. Acredito que muitos não irão gostar deste livro. Eu adorei! Livro muito recomendado! Sem dúvida merece uma leitura atenta! 5*
Os Testamentos – Margaret Atwood
“Vejo-te como uma mulher jovem, inteligente, ambiciosa. Vais procurar criar um nicho para ti, sejam quais forem as cavernas do pensamento dominante, sombrias e cheias de eco que ainda existam no teu tempo. Situo-te à tua secretária, o cabelo preso atrás das orelhas, o verniz das unhas estalado – pois o verniz terá voltado, volta sempre. Franzes um pouco o sobrolho, um hábito que vai aumentando à medida que envelheces. Pairo atrás de ti, espreito por cima do teu ombro: a tua musa, a tua inspiração invisível, que te inspira a continuar.”
Margaret Eleanor Atwood nasceu a 8 de Novembro de 1939 em Ottawa, no Canadá. É romancista, poetisa, contista, ensaísta e crítica literária. Já venceu o prémio Arthur C. Clarke Award (1987), o Man Booker (2000), o prémio Princesa das Astúrias (2008), o Booker Prize (2019) e o prémio PEN Pinter (2016) e as suas obras mais reconhecidas são o Chamavam-lhe Grace e o A História de Uma Serva, ambos já adaptados a séries. A obra Os Testamentos é a continuação de A História de uma Serva. Quando li A História de uma Serva, em Abril de 2018, adorei. Depois, entretanto, tive dúvidas quanto a ter realmente gostado da história, talvez pela fama repentina que a obra teve, como por vezes acontece. De um momento para o outro, todos falavam desta obra, tornou-se moda, e eu admito que não gosto de ir na moda. Agora li Os Testamentos e não tenho mais como negar, eu adoro esta história. A história de Gileade é uma história distópica. Aqui, devido aos elevados níveis de poluição, a infertilidade tornou-se extremamente comum. Então uma revolução teocrática derruba o governo dos Estados Unidos, queima a constituição e cria Gileade, um país de extremismo religioso onde comanda uma elite masculina e as mulheres são relegadas ao papel de esposas, criadas ou servas. Gileade é, na minha opinião, um mundo distópico extremamente e estranhamente possível. Muitas das injustiças que acontecem em Gileade já aconteceram ou ainda acontecem no nosso mundo real, e isso torna esta história verdadeiramente angustiante, pois dá-lhe um ar de possibilidade. Podia acontecer, podia. E o aumentar do número de militantes de extrema direita que se tem vindo a observar nos últimos tempos também o torna ainda mais preocupante. Gileade é um mundo totalmente diferente do nosso mas ao mesmo tempo quase real. E isso é motivo de preocupação. Mas foquemo-nos na história em si. A escrita de Margaret Atwood é uma leitura saborosa e fácil e apesar das quase 500 páginas desta obra, lê-se em menos de nada. A história desenvolve-se a um ritmo bom quase até ao final, mas a determinada altura notei uma certa aceleração. É como se as personagens tivessem de repente decidido pôr um fim a tudo. Devo admitir que também não entendi muito bem porque tinha de ser a Nicole a fazer o que teve de fazer, acho que podia ter sido qualquer outra pessoa, mas tudo bem. Foi para a história. No geral, adorei esta leitura e se o final do A História de uma Serva deixou um pouco a desejar por ser um final um tanto ou quanto aberto, o final de Os Testamentos teve até mais informação do que a conta. Para mim o último capitulo foi interessante, mas um pouco desnecessário. Recomendo? Recomendo, imenso. Leva umas merecidas 4* e admito que me deixou a pensar, mais uma vez, no rumo que a nossa realidade pode ou não vir a tomar. O cuidado é sempre pouco! Recomendado!
O Retrato de Rose Madder – Stephen King

” – O melhor é semos implacáveis com o passado. O que importante não são os golpes que nos atingiram, mas aqueles a que sobrevivemos. “
” – Pois. Acho que a arte é precisamente isso, e não apenas a pintura… acontece o mesmo com livros, histórias, esculturas e até castelos na areia. Certas coisas chamam-nos e pronto. É como se as pessoas que as fizeram estivessem a falar dentro das nossas cabeças.”
Stephen King nasceu a 21 de Setembro de 1947 no Maine, EUA. É escritor de terror, ficção sobrenatural, suspense, ficção científica e fantasia e conhecido como um dos grandes mestres do terror. Já publicou ao todo mais de 60 livros. Nesta obra Rose foi casada com Norman durante 14 anos. Catorze longos anos de silêncio, muitas conversinhas e muita porrada. E isso nem era o pior que Norman fazia… Um dia Rose acorda e, ao olhar para uma pequena mancha de sangue no lençol, percebe que se não deixar Norman vai acabar morta. É fugir ou morrer. E Rose foge. Acaba numa casa abrigo numa cidade distante, onde aos poucos vai começando uma nova vida, mas sabe que mais tarde ou mais cedo Norman vai encontrá-la. Afinal, ele é policia. É nessa cidade que ela acaba por comprar o retrato de Rose Madder. Mas aos poucos começa a perceber que há algo estranho naquele retrato. Ele move-se ou Rose estará a ficar louca? Então, Norman chega. O Retrato de Rose Madder é uma história envolvente e eu admito que tive de parar de ler uma ou duas vezes porque estava com medo do que ia acontecer as seguir. As personagens são cativantes e o leitor identifica-se facilmente com elas. É um daqueles livros que nos agarra do início ao fim. Tenho alguma dificuldade em perceber porque é que este livro está esgotado e não há uma edição nova. Stephen King começa o livro como se ele fosse um thriller e ele é realmente apenas um thriller durante uma boa parte da história. É só quando o retrato de Rose Madder entra em cena que nós reconhecemos verdadeiramente o toque a literatura fantástica a que King tão bem nos acostumou. Para mim estava a resultar perfeitamente apenas como trhiller e admito que estranhei um pouco a mudança, mas o livro não perde em nada com isto. As personagens são extremamente bem delineadas nesta obra, complexas e a soar a verdadeiras. Norman, por exemplo, é um sádico com rasgos de loucura e aos poucos ao longo do livro um leitor mais atento consegue mesmo chegar a perceber porque é que ele é assim. Há toda uma história para além da história e isso torna o livro ainda mais interessante. Este livro poderia ser apenas mais uma história de violência doméstica, mas eu atrevo-me a dizer que é um pouco mais do que isso. É uma histórias sobre esperança e recomeços e sobre magia. É uma daquelas histórias que nos deixa colados às suas páginas até terminar, a roer as unhas de nervosismo e com vontade de bater numa ou noutra personagem. Uma leitura que vale muito a pena! Livro muito recomendado!