“Como é possível que ele me ame? Como é que se pode amar uma pessoa que não se conhece? Procura desesperadamente agradar-me. Mas todos os loucos devem ser assim. Não são loucos na maior parte do tempo; com certeza que de certo modo, ficam tão surpreendidos como as outras pessoas, quando, finalmente, fazem algo de terrível.”
“Olhando de fora, ninguém, mas ninguém, pode sequer imaginar o que é estar numa prisão. Há pessoas que pensam que, com o tempo para ler e pensar, as coisas não podem ser muito más. Mas é terrível. A lentidão do tempo… Eu até juraria que todos os relógios do mundo se atrasaram séculos desde que vim para aqui.”
John Robert Fowles foi um escritor e romancista inglês nascido a 31 de Março de 1926 em Leigh-on-Sea, Southend-on-Sea no Reino Unido. As suas obras são consideradas por muitos críticos uma singularidade entre a literatura moderna e pós-moderna.
Nesta obra Frederick Clegg é um funcionário municipal que não tem nada de extraordinário. Coleccionador de borboletas, não tem além desse mais nenhum hobbie interessante nem sequer amigos com quem se divertir, sendo até mesmo considerado algo estranho no seu trabalho. Gosta de observar Miranda, uma jovem com quem se cruza de vez em quando, mas nunca se apresentou sequer. Na opinião dele, pertencem a classes muito diferentes.
Até que um dia Frederick ganha um prémio num jogo de apostas desportivas e se torna milionário. Continua o mesmo de sempre mas agora, rico e sem precisar trabalhar, tem todo o tempo do mundo para imaginar coisas e todo o dinheiro que precisa para as pôr em prática.
Então, Frederick compra uma velha casa isolada. Arranja-a, decora-a e prepara o porão para aquilo a que ele chama “ter uma hóspede”. Depois, rapta Miranda.
A primeira parte desta obra é vista sobre os olhos de Frederick, um olhar psicopata que julga amar Miranda e que não acha realmente estar a fazer algo de grave. A segunda parte é vista sob o olhar de Miranda, uma jovem normal que se vê de repente presa num pequeno quarto de 4 metros quadrados por meses a fio. Depois, conhecemos o fim de novo sob a óptica de Frederick.
A primeira coisa para que devo alertar, é que este livro não tem edição portuguesa, até onde sei. Eu li a obra numa edição brasileira da Abril Cultural, que encontrei à venda no alfarrabista. Gosto de trazer livros de que nunca ouvi falar, porque normalmente acabo agradavelmente surpreendida. Esta obra não foi excepção no que toca à história, mas a edição deixou muito a desejar. É de 1980, não chega a ser livro de bolso mas é mais pequeno do que o “normal”, o papel é muito fino, quase transparente e a letra é minúscula!!! Se eu não tivesse gostado da história, tinha desistido logo no início da obra, sem dúvida.
Mas o facto é que a história vale a pena. Frederick é realmente uma personagem perturbadora, toda a situação é perturbadora, doentia. É um retrato cru e nu da nossa (des)humanidade. Deixa o leitor claustrofóbico, agoniado. Frederick acha que é superior, tudo pode, tudo faz. Começa os seus planos como se eles fossem simplesmente uma brincadeira. Muitas vezes é apenas e só “uma mosca morta”, um “pão sem sal” a quem foi dado demasiado poder. Miranda por seu lado é jovem mas é esperta. Não mostra medo, não se desespera, consegue ser fria e manter a cabeça no lugar.
Ainda assim é difícil ler a segunda parte desta obra, a parte de Miranda. Se a parte de Frederick é perturbadora, a de Miranda ainda é mais. Porque aí sim, conseguimos perceber realmente o medo dela, as suas incertezas, os seus sonhos e a forma como tenta não os perder. Ela sabe que Frederick é perturbado, mas ainda consegue sentir compaixão por ele e acha que se um dia existir um julgamento pode ir defendê-lo. Lemos de novo tudo o que já lemos na primeira parte, mas de uma forma mais pesada. Conhecemos os dois lados da história.
Uma obra realmente perturbadora, claustrofóbica e que esconde nas entrelinhas uma grande reflexão sobre a humanidade. Não parece ter sido escrito em 1963. É muito actual!
Livro muito recomendado!
[…] via O Colecionador – John Fowles […]
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