“Durante esse dias, escreve Zelkowicz, os habitantes do gueto não choram como seres humanos. Ladram como cães, uivam como lobos, ganem como chacais, rugem como tigres. Não choram como seres humanos, porque a dor que sentem não é humana, e não se lhe reage com lágrimas humanas. Durante esses dias, o gueto é uma cacofonia de ruídos selvagens, onde só falta uma tonalidade – a da voz humana. Os seres humanos não conseguem suportar tormentos assim. Talvez os animais consigam, mas não os humanos.”
“Em que sitio apanhaste o comboio? Há tantas estações de que ninguém se lembra. Tantos lugares que já não existem. Tantos comboios por onde escolher, tantos que pararam demasiado cedo, de um modo demasiado definitivo.
Escolho por ti. Decido que subiste para o comboio em Auschwitz.
Isto soa a dramatismo, bem sei. Até pode dar a impressão de que procuro chamar as atenções. De facto, não é vulgar apanhar um comboio em Auschwitz, pois Auschwitz é o fim da linha para todos os comboios.”
David Rosenberg foi um dos muitos judeus deportados para Auschwitz. Aquela que viria a ser a sua mulher, também. Não esperavam sobreviver, mas sobreviveram. Esta é a história deles e da sua família, contada pelo filho que viriam a ter mais tarde.
Admito que esta obra me surpreendeu. A escrita é fantástica, quase poética, mas não é o típico testemunho que estamos habituados a ver nos relatos de experiências de Auschwitz. Não é tão duro, tão cruel. É quase uma carta apaixonada de Göran, o autor, ao pai, o sobrevivente de Auschwitz.
Göran retrata a experiência da sua família, mas sem se basear directamente no que eles lhe contaram. Ele baseia-se sobretudo em documentos oficiais e cartas escritas na época e poetiza-os de uma forma bastante curiosa. Demorei um pouco a embarcar na leitura, exactamente porque não era isso que esperava.
Mas isso também não é mau. É só diferente. E verdade seja dita, o livro está repleto de excertos lindos. Só é preciso entrar na leitura sabendo que este não é um livro igual aos outros e que não se vai desenvolver da mesma forma.
Não é um testemunho, é uma homenagem.
Livro recomendado!
4*