Venenos de Deus, Remédios do Diabo – Mia Couto

Livro Físico

– Chovia no sonho?
– Oh, Doutor; o senhor sofre mesmo de poesias: então chove nos sonhos?
– Eu, poesias?
– Não é de agora. O senhor já anda poetando há muito tempo. Por exemplo, quando o senhor me aconselha para eu cortar nas bebidas…
– Acha que isso é poesia?
– Então não é? Cortar-se na bebida? A gente pode cortar nas árvores, cortar na roupa, cortar sei lá onde, mas diga lá, Doutor, que faca corta um liquido? Só a faca da poesia.
– Você é que anda muito inspirado nestes dias, meu caro Bartolomeu.
– Ah, é verdade. Há ainda mais outra: o senhor diz que beber me faz gota. Sabendo os litros que bebo, Doutor, é preciso muita poesia para falar em gota…

[COUTO, 2008, p. 64 e 65]

– Que olhar é meu nos olhos teus?
Nessa noite se solveram, mãos de oleiro, salvando o outro de ter peso. Nessa noite o corpo de um foi lençol do outro. E ambos foram pássaros porque o tempo deles foi antes de haver terra. E quando ela gritou de prazer o mundo ficou cego: um moinho de braços se desfez ao vento. E mais nenhum destino havia.
– Amar – disse ele – é estar sempre chegando.

[COUTO, 2008, p. 106]

Mia Couto

Mia Couto, pseudónimo de António Emílio Leite Couto, nasceu a 5 de julho de 1955 na Beira, em Moçambique. É um dos escritores africanos mais reconhecidos da actualidade. Venceu o Prémio Camões em 2013 e o Prémio Internacional Neustadt de Literatura em 2014.

Em Venenos de Deus, remédios do Diabo, conhecemos o médico Sidónio Rosa, português, que se apaixona pela moçambicana Deolinda e parte para Vila Cacimba, em Moçambique para lutar pelo seu amor. Acaba esperando-a na vila, enquanto cuida dos seus habitantes e dos pais de Deolinda. Mas nesta história nem tudo é o que parece e, aos poucos, os segredos vão sendo revelados…

A escrita de Mia Couto é absolutamente brilhante, poética, doce e quase ingénua. A história, traz.nos alguns segredos sórdidos, negros, pesados; mas ainda assim o livro não perde a sua aura doce, como se em tudo na vida o mais importante fosse sempre a poesia.

É uma história bonita e pesada, que surpreende. Um livro que se lê de um trago e que, apesar da temática, nos deixa de coração cheio. Muito, muito bom.

Livro recomendado. 5*

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