
Nessa fotografia parece feliz. A minha mãe não, a minha mãe terá sempre um ar distante, pertinaz, melancólico, é como se chovesse dentro dela, não um grande aguaceiro, mas uma chuva suave, uma água-neve trazida pela sua avó das Astúrias.
[GALA, 2022, p. 70]
Cartas para os mortos que, quando chegam a Cuba, fazem com que as mães se levantem dos cadeirões, aflitas, sem acreditar nesse papel que lhes diz que o filho já não é. Cartas para os mortos, terríveis cartas que não deviam chegar, mas que chegam em turbilhão, uma a uma, como as gotas de chuva se infiltram num teto descuidado. Chegam as cartas dos mortos. Quem escreverá a carta que dirá que morri?
[GALA, 2022, p. 129]

Marcial Gala nasceu em 1965 em Havana, Cuba. É romancista, poeta e arquiteto e venceu o prémio Alejo Carpentier, em 2012, e o prémio da crítica para o melhor livro publicado em Cuba em 2012.
Em Chamem-me Cassandra o autor apresenta-nos Rauli um rapaz que se sente mulher e que adivinha o futuro. Em Cuba nos anos 70 somos então levados a conhecer a sociedade e preconceito. Acreditando ser a reencarnação de Cassandra, vemos Rauli em busca da sua identidade. Rauli acaba por alistar-se e ir para a guerra de Angola, como forma de cumprir o seu destino.
A escrita de Marcial Gala é, só por si, algo de maravilhoso. Complexa e muito poética é também uma escrita que se lê facilmente, que requer um pouco de atenção mas sem exigir em demasia.
A história de Rauli é apaixonante e surpreendente. É uma história fora da caixa, que foge daquilo que se esperaria. Foi um livro que adorei ler, mas senti que gostava de ter lido mais. É como se as questões tratadas neste livro – identidade de género, preconceito relações familiares, guerra – estivessem tratadas apenas à superficie. A história está toda lá – mas poderia ter mais pormenores.
É, sem sombra de dúvida, um livro que vale muito a pena. Um livro a que muito provavelmente irei voltar, para ler e reler.
Livro recomendado. 4*