
–Lembras-te de Ovídio? Ele pressentiu isso. – Choi continuou a falar e sentou-se numa grade, com o lago atrásde si. – As metamorfoses nunca se basearam em diferenças mecânicas. É o mesmo com a transfugação: ela acentua as semelhanças. Em sentido evolutivo, somos todos ainda chimpanzés, ouriços e lariços, temos isso tudo dentro de nós. Podemos alcançá-lo a qualquer momento. Não há abismos instransponíveis que nos separem de tudo isso. De nós mesmos somos apenas separados por juntas, pequenas lacunas da existência. Unus Mundus. O mundo é uno.
Na penumbra do quarto, onde a luz cinzenta do amanhecer começava a entrar, estendia as mãos à sua frente e perguntava a si mesmo porque é que realmente tinha cinco dedos e não seis ou quatro. Porque é que no mundo algumas pessoas têm sempre falta de tudo e outras não sabem o que fazer a tanta abundância? Porque é que a infância dura tanto a ponto de não haver tempo suficiente na vida adulta, para a reflexão e para aprender com os erros? Porque é que as pessoas, ainda que queiram fazer o bem, fazem o mal? E porque é que é tão dificil ser simplesmente feliz?

Olga Tokarczuk nasceu a 29 de Janeiro de 1962 em Sulechów, na Polónia. Formada em psicologia, venceu em 2018 o prémio Man Booker Internacional e o Prémio Nobel da Literatura. Dela já falámos dos livros Outrora e outros tempos, Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos e Viagens.
Em Histórias Bizarras Olga Tukarczuk traz-nos um conjunto de 10 contos, histórias, que são realmente um tanto ou quanto bizarras. Dificilmente conseguiria explicar estas histórias, estas “bizarrias”, sem fazer spoiler, portanto não o farei.
Sinto que li até agora bem menos do que gostaria de ler da Olga Tokarczuk mas a verdade é que preciso sempre de fazer uma pausa entre um livro e outro. Olga não é uma escritora para as massas: é uma leitura longa, que nos deixa a pensar e que é preciso digerir. E às vezes não é fácil de digerir. Mas é, acima de tudo, uma escritora verdadeiramente brilhante, impressionante, que tem o dom de tocar no mais fundo de nós.
Por vezes já tenho comentado aqui no blog que “não li este livro na altura certa” Eu diria que com Histórias Bizarras me aconteceu exactamente o contrário. Era isto, era totalmente isto, que eu estava a precisar de ler.
As histórias deste livro são de facto um tanto ou quanto bizarras. Mas têm sempre a sua razão, a sua própria profundidade, a sua própria “lição” e motivo de existência. Atrevo-me ainda a dizer que esse será diferente para cada um de nós: são histórias que nos levam à nossa essência e que serão sem dúvida interpretádas das mais diversas maneiras.
O que Olga Tokarczuk faz neste livro é algo raro, dificil de fazer. E eu admito que este livro mexeu comigo como nenhum livro mexia, há muito tempo.
Excepcional. Livro preferido.