Bibliotecas não dão votos

Ontem estivemos de folga. E o que é que um casal de bibliotecários faz quando está de folga num dia útil? Bem, nós decidimos metermo-nos no carro e ir conhecer umas quantas bibliotecas do Alentejo que ainda não conhecíamos. Turismo bibliotecário.

A primeira coisa que tenho de vos dizer é que fomos bem recebidos em todo o lado. De cada vez que chegávamos a uma biblioteca e nos apresentávamos, a recepção era bastante entusiástica.

Tinha tudo para ser um dia excelente, sim. E até foi. Mas a verdade é que no fim de contas, fiquei com um aperto no peito.

A maioria das bibliotecas a que fomos, desculpem a expressão, faz omoletes sem ovos.

São bibliotecas que trabalham com dois, três ou quatro funcionários. Conheço uma biblioteca que tem apenas um, mas não estivemos lá ontem.

Depois, e quando começamos a olhar a fundo para estas bibliotecas que estão sob a alçada camarária, é de bradar aos céus. Poucas são as câmaras que consideram este serviço útil e importante e lutam por ele.

Ontem conheci bibliotecas que têm, literalmente, ares condicionados a cair do teto; janelas com falhas de vários dedos onde entra frio, calor e vários tipos de animais; teto a cair aos bocados; salas onde chove como na rua; funcionários em cadeiras de rodas que só conseguem trabalhar numa zona do edificio; infestações de pragas de vários tipos e poucos ou nenhuns meios para os tratar; e várias outras coisas.

A determinado momento, quando uma colega de profissão me contava como não tinham fundo para absolutamente nada, eu perguntei “E livros? Conseguem comprar?” ao que ela respondeu “Não. Há anos que não compramos livros. Só recebemos doações. Mas grande parte é lixo”

Sim, eu já sabia que existiam bibliotecas em péssimas condições e ao abandono. Mas ontem aquilo marcou-me. Como é que uma biblioteca pode ser útil à comunidade, pode ser um sitio agradável onde as pessoas queiram estar, ler e ir buscar coisas, se estiver frio e a chover lá dentro e os livros forem todos antigos e desatualizádos? Com um bocadinho de sorte, ainda passa um rato ao pé do leitor…

Sinto-me mal hoje. Trabalhei em três bibliotecas até agora e todas, apesar de uma coisa ou de outra, estão longe de estar nestas condições.

Sinto que tenho de fazer algumas coisas. Não podemos mudar o mundo, mas talvez o possamos melhorar um pouco. Para já, vou começar a reunir doações de livros – bons, novos, que realmente atraiam leitores – para os levar a algumas destas bibliotecas que têm poucos ou nenhuns fundos para aquisições. Talvez os sorteios de desapego literário por aqui diminuam de número, mas acho que é compreensivel.

4 comments

  1. O título do post é muito adequado. As bibliotecas não têm condições para atrair leitores e sem leitores também não existe pressão sobre quem decide para melhorar as condições das bibliotecas e de quem trabalha nesses espaços. É uma realidade triste, uma biblioteca sem leitores é a justificação perfeita para não existir investimento público na mesma.

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    • E o mais provável é que daqui a uns anos se comecem a fechar bibliotecas por isso. Não contratam novos bibliotecarios e a maioria dos que estão ao serviço daqui a 15 anos vão estar reformados. Quando não tiverem funcionários suficientes para cumprir o horário, vão reduzir o horário. E um dia deixam de abrir

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  2. Eu admiro os países com uma boa rede de bibliotecas que realmente as pessoas gostem e consigam usar, porque essa não é a experiência actual em Portugal. E eu moro em Lisboa, até tenho sorte.

    Se resolver recolher livros para doar, eu ainda consigo arranjar algumas coisas aqui por casa 🙂

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    • É um ciclo vicioso: não há investimento (nos edificios, nos recursos humanos, na aquisição de livros e na criação de atividades) logo as bibliotecas não conseguem ser mais atrativas, logo perdem leitores e não apresentam resultados que façam quem manda pensar que devem investir mais. É díficil, muito díficil, lutar contra esta maré, mas estamos a tentar. Muitas bibliotecas estão realmente a “fazer omoletes sem ovos”.

      Já separei alguns meus e no início de outubro vamos ver mais algumas bibliotecas do interior. Algumas já “sinalizei” e acho que devo mesmo entregar os livros nesse dia. O problema com as doações é que as bibliotecas ao seguirem por esse caminho recebem muitas coisas que não servem para nada: livros técnicos e manuais desatualizados ou cassetes vhs que já ninguém pede, por exemplo. São coisas que não faz sentido inserir no catálogo e que acabam por complicar mais do que ajudar porque para fazer a selecção é preciso recursos humanos e tempo que muitas não têm.

      Gostaria imenso de aceitar os seus, mas não sei como os faríamos chegar de Lisboa a Évora, que é onde estou. Vou ver se conheço alguém que venha de viagem por estes dias, se tiver interesse em doar.

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