O Leitor do Comboio – Jean-Paul Didierlaurent

Wook.pt - O Leitor do Comboio

Livro Físico

“Brunner disparava as suas verdades a torto e a direito: os funcionários não passavam todos de uns esquerdistas mandriões, as mulheres só eram boas para servir os maridos, querendo com isso dizer a lida da casa durante o dia e emprenhar à noite, os escarumbas (palavra que vomitava mais do que pronunciava) passavam o tempo a roubar o pão da boca dos franceses. Sem esquecer os indivíduos cheios de massa, os que recebiam o rendimento de inserção social, os políticos corruptos, os automobilistas de domingo, os drogados, os maricas, os maricas drogados, os deficientes, as prostitutas. O chico-esperto tinha opinião sobre tudo, opiniões formadas que desde há muito Guylain já não se esforçava sequer por contrariar. Em tempos, recorrera à retórica para tentar explicar-lhe que nem tudo era assim tão simples, que entre o branco e o preto existia toda uma paleta de matizes, desde o cinzento claro ao mais escuro. Tempo perdido. Guylain acabara por se acostumar à ideia de que Brunner era um idiota chapado. Irrecuperável e perigoso.”

Jean-Paul Didierlaurent - Intrínseca
Jean-Paul Didierlaurent

Jean-Paul Didierlaurent nasceu a 2 de março de 1962 em Vosges, na França. É romancista e novelista.

Nesta obra Guylain Vignolles vive sozinho com o seu peixinho vermelho, quase o único confidente de que dispõe. A mãe vive longe e não sabe a verdade da sua vida, namorada não há e os amigos são poucos. Ainda assim não é isso, nem sequer o nome que é um trocadilho triste com a expressão “fantoche feio”, o pior dos seus dias. O pior dos seus dias é o seu trabalho!

Guylain trabalha numa fábrica de reciclagem de papel e produção de livros. Ele é o encarregado de manusear A Coisa, uma assustadora máquina de várias toneladas, com mortais dentes de aço que destroem toneladas de livros de cada vez! Guylain detesta o seu odioso trabalho e sempre que consegue salva as poucas páginas que A Coisa não consegue destruir. Depois, lê-as em voz alta no comboio, para quem o quiser ouvir. E serão essas viagens de comboio que começarão a mudar a sua vida…

Há livros que nasceram para ser clássicos e outros que não. Este é um daqueles livros que nunca serão um clássico da literatura, mas não faz mal. A história deste livro é simples, singela, tocante e apesar de tudo muito “fora da caixa”. Não sei se foi por a minha vida ser sempre no meio dos livros ou se acontecerá o mesmo a todos os leitores desta obra, mas a verdade é que a ideia d’A Coisa a dado momento me aterrorizou. Que monstro destruidor horripilante! Não sei se haverá maior pesadelo para um amante de livros…

Guylain pode parecer inicialmente ao leitor uma personagem murcha, parada, quase sem graça. Mas à medida que o vamos conhecendo, apaixonamo-nos por ele. Ele é, sim, uma pessoa simples. Alguém que se contenta com a sua taça de cereais e o seu peixinho vermelho como única companhia. Mas lá no fundo ele anseia por mais. Há uma solidão escondida, velada, quase que nem sequer é referida. Depois, percebemos que apesar de ser alguém sem muita sorte na vida, é alguém com um coração enorme.

Que história! Tão simples e tão impactante! Difícilmente me irei esquecer deste livro, foi provavelmente um dos melhores que já li este ano e ainda assim é quase desconhecido de tão costumeiro. A leitura é fácil e veloz, o autor não enrola, não há pausas nem descrições desnecessárias.

Muito, mesmo muito recomendado! 5*, com entrada na lista de preferidos!

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