“Por enquanto quero andar nu ou em farrapos, quero experimentar pelo menos uma vez a falta de gosto que dizem ter a hóstia. Comer a hóstia será sentir o insosso do mundo e banhar-se no não. Isso será coragem minha, a de abandonar sentimentos antigos já confortáveis.”
“Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”

Clarice Lispector nasceu a 10 de dezembro de 1920 em Chechelnyk na Ucrânia tendo sido chamada de Chaya Pinkhasovna Lispector e faleceu a 9 de dezembro de 1977 no Rio de Janeiro no Brasil. Era filha de judeus russos e a sua família acabou por emigrar para a América do Sul quando Clarice era ainda bebé, como forma de fuga ao antissemitismo. Clarice estudou direito mas acabou por se tornar tradutora e por se consagrar como escritora e A Hora da Estrela é o seu último livro, que ela escreveu pouco tempo antes de morrer vitima de cancro de ovário.
Em A Hora da Estrela temos um homem narrador, Rodrigo S. M., que nos conta a história de Macábea, uma jovem pacata e sem vocação para estar viva. O início do livro é marcado pelo arrastar do monólogo de Rodrigo, em que ele fala da história que vai contar sem a contar e das razões que o levam a falar sobre esta jovem. Depois, conhecemos finalmente Macabéa, que ficou orfã muito nova e acabou por ser criada por uma tia beata. Macabéa era uma dactilografa que não tinha jeito para dactilografar, cujos únicos luxos era ir ao cinema uma vez por mês, comprar uma rosa quando recebia o ordenado e pintar de vez em quando as unhas de vermelho. Era virgem, nunca tinha namorado e é descrita como inócua, alguém que os outros tinham tendência para nunca ver. Até que um dia ela conhece Olimpico de Jesus e começam uma espécie de namoro…
É impressionante como uma obra tão pequena, que não chega sequer a ter 100 páginas, consegue ser tão profunda e marcante como A Hora da Estrela é. Macabéa é uma personagem incrível e humana, repleta de defeitos e de coisas que não fez, uma mulher que vive sem viver e que só percebe o que é estar viva no dia em que morre. Olimpico é uma personagem que queremos ver longe, mas é nas relações que Macabéa estabelece (e não estabelece) com as pessoas e na forma como vive o seu dia a dia que está a verdadeira essencia deste livro. Macabéa não vive. E isso pesa.
É um livro para levantar questionamentos no leitor, que nos deixa a pensar se estaremos a aproveitar a nossa vida ou se seremos também um pouco como Macabéa. A escrita de Clarice é maravilhosa, apesar de não ser simples, e tem muita poesia na sua prosa. Brilhante! Há quem diga que este livro é também uma espécie de despedida da autora pois pode ter sido escrito numa altura em que ela já sabia que ia morrer.
Lindíssimo! 5*, muito recomendado!