Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…
E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
Florbela Espanca
Nascida alentejana em Vila Viçosa em 1894 Florbela foi sempre uma mulher muito sofrida, perdeu cedo a mãe, o pai nunca a assumiu como filha enquanto ela viveu, casou três vezes e sofreu diversos abortos. Na sua poesia reinam os traços das suas dores, da luta feminista e de erotismo. Suicidou-se a 8 de Dezembro de 1930.