“Pouco depois ouviram um órgão tocar e os seus torturadores cantando hinos e lendo as escrituras. Quem eram aquelas pessoas? A que Deus estariam a rezar? Como podiam espancar, chacinar e queimar seres humanos durante seis dias por semana e, depois, ler a Bíblia e rezar aos domingos?”
“Encontrava-se no inferno. Quem sabia ao certo o que a vida para lá da morte reservava? Ninguém, mas como podia ser pior do que aquilo? Ali eram obrigados a trabalhar até à morte, a passar fome. Eram espancados por desporto. Ali dentro, as pessoas não eram nada: nem um nome, nem uma alma: apenas um número, e inútil, ainda por cima. Um violador e um assassino alemão mais valiam do que um judeu inocente. Fora parar a um lugar onde não havia esperança, onde não havia vida e do qual não havia maneira de escapar a não ser pela chaminé. Talvez o homem tresloucado tivesse razão: mais valia viver livre, ou morrer o mais depressa possível.”
Depois de ver os seus pais e irmã serem mortos pelos nazis Jacob junta-se ao tio como membro da resistência. O objectivo? Salvar o máximo de vidas possível. Mas os nazis também estão decididos a matar o máximo de judeus possível e Jacob acaba apanhado nas suas teias e metido no comboio que vai directo para Auschwitz. Já no campo, o choque é tremendo. Afinal, o que Jacob pensava ser apenas um campo de trabalho para a força alemã é um verdadeiro campo de extermínio. Judeus (e não só) são mortos aos milhares de uma vez. Jacob começa a perder a fé num Deus de que nunca foi muito próximo.
É então que conhece os irmãos Max e Abby e os outros membros da resistência presentes no campo. A fé de Jacob continua vacilante, mas agora tem um objectivo: fugir e contar ao mundo lá fora a verdade sobre os campos de extermínio nazis!
A fuga, realizada sempre em pares, é com Jean-Luc, de todos a pessoa que mais intriga Jacob. Afinal, que faz um pastor protestante num campo como aquele? É cristão, loiro e de olhos azuis. Passava facilmente por ariano. Então porque foi preso? Porque arriscou e continua a arriscar a sua segurança, a sua vida, para salvar judeus? Ali, os judeus não são nada. Mas Jean-Luc parece não pensar assim.
De fés diferentes mas com um objectivo em comum, Jacob e Luc vão então arriscar as suas vidas para contar ao mundo a terrível verdade. Irão conseguir passar as cercas do campo? Fazer a viagem? E, se conseguirem, será que alguém lá fora vai acreditar neles?
Este é um livro pesado, que nos leva directamente para dentro do campo de concentração. Vemos o dia a dia dos prisioneiros, as dificuldades, os trabalhos e a fome por que passavam. Por vezes é preciso levantar os olhos do livro e tentar interiorizar que aquilo é um romance histórico, baseado em factos reais. Aquilo aconteceu mesmo. As câmaras de gás, as cercas electrificadas, as pessoas que pareciam esqueletos vivos, existiram mesmo! E cá fora, no resto do mundo, as pessoas continuavam a viver as suas vidas normalmente, com o rumor da guerra em volta, mas sempre sem saber e sem acreditar que os rumores dos campos eram mais que rumores.
A escrita do autor é boa, fácil de ler, e a história melhor ainda. Conseguimos mesmo ver o terror dos campos de concentração pelos olhos de um prisioneiro, sentimos os seus medos e vemos a morte a beirar em cada página. Na fuga, sentimo-nos quase como se estivéssemos dentro de um filme de acção em que é preciso escapar, fugir e não deixar que todos aqueles nazis carregados de armas nos encontrem. Irão os fugitivos escapar? Conseguirá Jacob sobreviver, contar a sua história e recuperar a sua fé?
Este é um livro que fala de uma das épocas mais negras da humanidade a sangue frio, sem no entanto deixar de falar de amor, de amizade e, sobretudo, de fé. Como é possível viver durante anos num lugar como aquele, em que todos os dias se vê pessoas serem mortas sem motivo e em que todos os dias se teme pela própria vida e, ainda assim, nunca duvidar de Deus?
Livro muito recomendado!